#298 – Dia de Julgamento: Belgian Blond Ale & Mixed-Style Beer

Dia de Julgamento #2 – Belgian Pale Ale e Mixed-style Beer

Introdução

Neste episódio da série “Dia de Julgamento”, do Brassagem Forte, Henrique Boaventura convida dois juízes BJCP — Oscar Freitas, presidente da Acerva Brasil, e Faustus, cervejeiro caseiro e ouvinte de longa data do Brassagem Forte — para uma experiência de avaliação completa de duas cervejas produzidas pelo próprio Faustus: uma Belgian Pale Ale e uma Mixed Style Beer baseada em German Pils, feita com lúpulos brasileiros.

O programa, inspirado no formato do Dr. Homebrew da Brewing Network, mostra em detalhes como juízes BJCP conduzem uma análise técnica, atribuem notas e discutem processos e percepções sensoriais com o próprio autor da cerveja.

Confira essa avaliação de altíssimo nível, em mais um episódio com a parceria da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis.

Primeira rodada: Belgian Pale Ale

O estilo e as expectativas

A Belgian Pale Ale é uma cerveja belga de alta fermentação, maltada, de força média e amargor moderado. Deve apresentar cor acobreada, equilíbrio entre notas de malte e ésteres frutados leves, sem dry hopping e sem caráter agressivo de levedura. O perfil esperado é de pão, biscoito e um leve tostado, com frutado sutil remetendo a laranja ou pera.

Avaliação sensorial

Aroma:

Henrique atribuiu nota 7/12, destacando um aroma frutado de intensidade média, remetendo a frutas amarelas e banana — o que indica esterificação acima do ideal para o estilo. O malte aparece com notas de caramelo e panificação doce, e há leves traços fenólicos lembrando pimenta-preta.

Oscar percebeu frutas como pêssego e damasco, mel e biscoito, com leve nota condimentada, mas apontou desequilíbrio: o frutado sobrepõe o caráter de malte, o que destoa do guia.

Aparência:

Com nota 2,5/3, a cerveja apresentou cor âmbar, excelente limpidez e boa formação de espuma, mas baixa retenção e bolhas irregulares. O rendado belga foi breve.

Sabor:

Henrique deu nota 9/20. O malte aparece em primeiro plano, com dulçor leve e notas tostadas equilibradas por amargor médio. Os ésteres diminuem em intensidade, mas ainda destoam — com caráter típico de Dark Strong Ale. O final seco e amargo reduz a drinkability.

Oscar atribuiu 10/20, destacando equilíbrio satisfatório, porém com frutado e amargor acima do desejado para o estilo.

Sensação na Boca:

Ambos avaliaram o corpo como médio-baixo. Henrique pontuou 3/5, notando carbonatação alta, leve adstringência e aquecimento alcoólico perceptível. Oscar também deu 3/5, com sensação “escorregadia” e carbonatação no limite inferior do estilo.

Impressão Geral:

A média final foi 27/50 pontos, indicando uma cerveja boa, mas com oportunidades de ajuste em levedura, temperatura de fermentação e amargor. Henrique sugeriu buscar cepas com ésteres de laranja e pera, revisando o processo para reduzir adstringência e aquecimento alcoólico.

Discussão técnica

Faustus revelou que fez a receita inspirado na Bolleke, uma Belgian Pale Ale de Antuérpia, e utilizou um processo de overnight mash (mostura deixada recirculando por 9 horas).
A composição foi:

  • 60% malte Pale Agrária, 33% Munique, 4% Carahead, 2% Melanoidina, 1% Special B
  • Lúpulos Magnum (22 IBU) e Mittelfrüh (3 IBU)
  • Levedura Levitec Vleteren, fermentada a 19°C
  • OG 1.054 / FG 1.012 / ABV 5,5%

O Special B e o longo tempo de mostura possivelmente contribuíram para a adstringência e o perfil frutado de banana, destoando do estilo.

A recomendação dos juízes foi retirar o Special B, evitar o overnight mash e considerar ajustes de fermentação para maior equilíbrio e drinkability.

Segunda rodada: Mixed Style Beer (German Pils com lúpulo brasileiro)

A proposta

A segunda amostra partiu de uma German Pils, mas com lupulagem tardia (late hopping) usando Comet brasileiro, conferindo caráter tropical e frutado. A cerveja, portanto, foi inscrita como Mixed Style Beer, categoria que abrange variações experimentais ou combinações fora das diretrizes clássicas.

Avaliação sensorial

Aroma:

Ambos os juízes deram 7/12.

O destaque foi o lúpulo frutado, com notas de ameixa, pêssego e frutas vermelhas, intensidade média e leve toque sulfuroso — indicando boa e limpa fermentação lager.

Aparência:

Henrique pontuou 2/3, Oscar 3/3.

A amostra apresentou coloração dourado-clara, cristalina e com espuma branca de boa formação, embora retenção moderada.

Sabor:

Henrique atribuiu 11/20, Oscar 12/20.

O sabor acompanha o aroma, com predomínio do lúpulo frutado e amargor baixo, equilibrado por malte leve de cereais. O final seco e retrogosto amargo foram elogiados, mas faltou a assertividade típica de uma German Pils.

Sensação na Boca:

Corpo médio-baixo e carbonatação média-alta, com leve adstringência. Henrique deu 4/5, Oscar 3/5.

Impressão Geral:

Nota final média: 29/50.

Henrique destacou que a cerveja tem excelente drinkability e aroma complexo, mas não se encaixa totalmente como German Pils devido ao baixo amargor e ao caráter frutado dominante do lúpulo nacional.

Oscar reforçou que a cerveja é agradável e bem executada, mas recomendou maior intensidade de amargor para se alinhar ao estilo base.

Discussão e receita

Faustus explicou que a intenção foi criar uma base de Pilsner com personalidade brasileira:

  • 100% malte Pilsen Weyermann
  • Lúpulo Comet brasileiro (Brava Terra): 10g a 50’, 30g a 10’, 60g em hopstand (5 min)
  • IBU projetado: 33 (percebido menor)
  • Fermentação com W3470 a 13 °C
  • OG 1.044 / FG 1.010 / ABV 4,5%

Os juízes elogiaram o uso do Comet nacional, destacando o blend de frutas amarelas e vermelhas e o potencial do lúpulo brasileiro. Contudo, Henrique sugeriu usar Magnum no amargor para trazer mais firmeza e elevar o IBU, além de considerar um dry hopping para acentuar aroma sem perder equilíbrio.

Onde enquadrar a cerveja?

A principal discussão girou em torno da classificação.

  • Henrique argumentou que a cerveja não se enquadra como German Pils, pois o caráter tropical e o amargor suave a aproximam mais de uma American Pale Ale ou International Pale Lager.
  • Faustus defendeu que o estilo base foi mantido e que o BJCP permite variações com dry hopping ou uso de ingredientes não tradicionais.
  • Oscar concordou com o equilíbrio geral, mas reconheceu que, em concursos, a amostra competiria melhor como APA.

Por fim, os três destacaram o desafio de enquadrar Hop Pils ou IPL (India Pale Lager) dentro do guia BJCP, uma limitação recorrente em concursos.

Conclusão

Este episódio de “Dia de Julgamento” mostrou, na prática, como o processo de avaliação BJCP vai muito além de uma simples nota. A Belgian Pale Ale apresentou boa execução, mas sofreu com escolhas de malte e processo. Já a Mixed Style Beer impressionou pelo uso criativo do lúpulo nacional, revelando a força e o potencial da cena brasileira de insumos.

Mais do que pontuar defeitos, o programa reforça a importância do feedback técnico entre juízes e cervejeiros: cada gole é uma oportunidade de aprendizado!

Resumo técnico

CervejaEstilo declaradoPontuação finalDestaquesAjustes sugeridos
Belgian Pale AleBJCP 24B27/50Cor e aroma equilibradosRevisar levedura e Special B
Mixed Style BeerBase German Pils + Comet BR29/50Aroma frutado e limpaAumentar amargor, reclassificar estilo

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