#276 – A Hora Ácida: fermentadores para cervejas ácidas complexas

Como a Fermentação Ácida Transforma a Cerveja: A Ciência Selvagem 

Introdução: a acidez como linguagem sensorial

Nesta série do Brassagem Forte, Henrique Boaventura convida mais uma vez Diego Simão, da Cervejaria Cozalinda, para um mergulho profundo no universo das cervejas ácidas, complexas e selvagens.

Entre barricas, ânforas e fermentadores de concreto, este episódio revela como o oxigênio, os microrganismos e o material do fermentador moldam o sabor, a acidez e a complexidade da cerveja. Um capítulo imperdível para quem quer entender o lado mais vivo e imprevisível da fermentação.

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A importância do fermentador na produção de cervejas ácidas

O oxigênio como vilão ou aliado?

Em fermentações convencionais, o oxigênio é evitado a todo custo. Mas, na produção de cervejas ácidas e cervejas selvagens, ele pode ser um aliado poderoso — desde que controlado com precisão. É aqui que entra o conceito de OTR (Oxygen Transmission Rate).

OTR: Oxygen Transmission Rate na prática

Diego explica que uma OTR controlada permite biotransformações complexas, gerando o “funk” típico das Brettanomyces e a rusticidade desejada desse tipo de levedura. Já em fermentadores com OTR muito baixa, como os de inox herméticos, o resultado tende a ser mais limpo, menos ácido e menos complexo.

Materiais dos fermentadores e seus impactos

Inox, vidro, madeira: qual escolher?
  • Inox é quase inerte e oferece controle.
  • Vidro é totalmente inerte, ideal para testes comparativos.
  • Madeira, especialmente barris, permite interação com o ambiente e micro-oxigenação contínua.

Fermentação aberta: onde está o limite?

Fermentar com o tanque aberto pode ser seguro nos primeiros dias. Depois disso, o risco de oxidação e presença de acetobactérias aumenta, trazendo sabores indesejados como vinagre.

Micro-organismos e oxigênio: uma dança bioquímica

Organismos como Brettanomyces e Pediococcus precisam de oxigênio para realizar transformações complexas que dão origem a sabores únicos. A profundidade que a Brett penetra na madeira (até 0,8 mm) mostra o quão difícil é sanitizar um barril.

Barricas, consistência e espontaneidade controlada

Existe fermentação realmente espontânea?

Segundo Diego, o uso de barricas com histórico de fermentações anteriores quebra a ideia de espontaneidade total. O foco é controle de população microbiana, não esterilidade — algo que permite consistência sem padronização.

Temperatura, sazonalidade e seus efeitos sensoriais

Durante o verão, a acidez lática na refermentação em garrafa aumenta. No inverno, o oposto acontece. Isso mostra como as condições ambientais influenciam diretamente o resultado da cerveja.

Fermentação caseira com baixa OTR: desafios e soluções

Post-mix como alternativa prática

Os fermentadores de post-mix oferecem uma área de contato reduzida com oxigênio. São acessíveis e adaptáveis, ideais para experimentações em casa. Diego recomenda até o uso paralelo de dois materiais diferentes e posterior blend.

Fermentadores com maior OTR: ampliando a complexidade

Quando o foco é complexidade sensorial, entram em cena materiais como:

  • Plástico (com ressalvas),
  • Madeira (em barricas maiores),
  • Ânforas de barro,
  • Cimento e concreto.

Cada um com sua taxa de oxigenação, permeabilidade e interação sensorial própria.

As ânforas na fermentação: tradição, terroir e inovação

As ânforas trazem consigo o conceito de terroir cerâmico: a argila da região onde são produzidas influencia diretamente o perfil da cerveja. Quanto maiores as ânforas, menor a OTR — o que permite estabilidade e delicadeza.

Projeto da Cozalinda: identidade a partir do solo

Diego compartilha o projeto de desenvolver ânforas com argilas catarinenses em parceria com arquitetos e artesãos locais. O objetivo é criar uma expressão geológica única da região na fermentação da cerveja.

Concreto, cimento e inovação sensorial

O uso de fermentadores de concreto e cerâmica permite controle preciso de oxigênio. Formatos ovaloides promovem convecção natural, movimentando os micro-organismos e aumentando a complexidade sensorial da bebida.

Granito e fermentadores de pedra: charme impraticável

Fermentadores escavados em granito são lindos, mas impraticáveis. A limpeza é difícil, o controle microbiológico é falho e o custo-benefício é ruim. Na prática, são mais enfeite do que solução técnica.

Fermentadores de plástico: acessibilidade com riscos

Os fermentadores de plástico são comuns, mas requerem atenção:

  • Tampas frouxas permitem oxigênio demais;
  • Headspace grande favorece contaminações;
  • Torneiras mal vedadas comprometem o lote.

Barris de madeira: romantismo, variáveis e desafios

A madeira confere caráter, mas também traz risco. Barris pequenos aumentam drasticamente a oxidação. A recomendação do Diego? Melhor um balde plástico do que um mini barril de 10 L.

Conclusão: Fermentação ácida é um laboratório vivo

A produção de cervejas ácidas e selvagens exige conhecimento técnico, controle microbiológico e liberdade criativa. Não existe fórmula mágica — cada fermentador, cada material e cada condição ambiental traz um novo desafio e uma nova possibilidade de sabor.

O recado do Diego é claro: não se trata apenas de escolher um recipiente, mas de entender o papel ativo do fermentador como agente sensorial. Para quem produz em casa ou profissionalmente, o caminho é estudar, testar e respeitar o processo. Porque é no imprevisto que mora a beleza das ácidas.

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