#274 – Brassando com Estilo: Specialty Spice Beer

Specialty Spice Beer

Como fazer uma Specialty Spice Beer: guia prático de técnicas e exemplos

O Brassagem Forte desta semana recebe Jocemar Gross, criador da Dude Brewing de Caxias do Sul, que compartilha sua experiência prática para falar de Specialty Spice Beer.

Jocemar atua dentro do complexo Beco do Dude, onde, além da cervejaria, funciona uma torrefação de café, o clube de assinatura, além do bar e restaurante da Dude. O braço Brewing, aliás, lança uma ou duas Specialty Spice Beers por mês, acumulando ampla experiência prática no estilo.

Não perca esse papo, que conta com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis!

O que é Specialty Spice Beer?

Segundo o BJCP, o estilo 33B Specialty Spice Beer é baseado na 30A (Spice, Herb, or Vegetable Beer) com adição de:

  • Açúcares fermentáveis (mel, açúcar mascavo, açúcar invertido, lactose)
  • Adjuntos alternativos
  • Cereais diversos
  • Processos especiais adicionais

É importante notar que os estilos 30B (Autumn Seasonal Beer) e 30C (Winter Seasonal Beer) já contemplam adições e não devem ser usados como base para a Specialty Spice Beer.

Diretrizes sensoriais para Specialty Spice Beer

Aroma

Segue a linha da 30A, mas ingredientes fermentáveis como mel ou melaço adicionam novos componentes. O aroma deve manter equilíbrio entre adjuntos e base.

Aparência

Definida conforme os ingredientes e processos empregados.

Sabor

O perfil de sabor é semelhante ao da 30A, com ajustes dependendo dos açúcares e especiarias:

  • Açúcares fermentáveis resultam em final mais seco.
  • Elementos não fermentáveis aumentam corpo e doçura.
Sensação de Boca

Varia amplamente: pode ser denso e licoroso ou leve, conforme a combinação.

Como escolher a base ideal

Perguntas-chave:

  • A especiaria será protagonista ou coadjuvante?
  • Quais notas sensoriais a base pode agregar?
Bases neutras (para protagonismo da especiaria)
  • American Blonde Ale
  • Witbier
  • Kölsch
Bases complexas (para diálogo com a especiaria)
  • Belgian Dubbel
  • Stout
  • Saison

Estratégias para adição de especiarias

Cada etapa tem sua peculiaridade

Mostura
  • Extração suave
  • Integração com notas de malte
  • Boa para especiarias robustas (ex.: canela)
Fervura
  • Extração intensa
  • Esterilização dos ingredientes
  • Ideal para gengibre e pimentas
Flame Out / Whirlpool
  • Melhor preservação de compostos aromáticos
  • Indicada para especiarias delicadas
Fermentação primária
  • Potencial de biotransformação sensorial
  • Alta necessidade de sanitização
Maturação (Dry Spice)
  • Ajustes finos de aroma e sabor
  • Maior controle sensorial
Ajustes pré-envase
  • Uso de extratos alcoólicos
  • Permite correções de última hora

Evitando oxidação e contaminação

Impactos da oxidação
  • Escurecimento da cerveja
  • Sabores indesejados, como papelão
  • Perda de frescor
Como minimizar
  • Extratos alcoólicos rápidos
  • Purga com CO₂
  • Manipulação rápida e fresca dos ingredientes

Procedência importa

Buscar fornecedores qualificados é essencial para garantir frescor e estabilidade! ✅

Exemplos e combinações práticas

Saison com pimenta-rosa, capim-limão e mel de laranjeira

  • Final seco e floral
  • Mel de laranjeira reforça secura

Belgian Dubbel com cardamomo, casca de laranja e candy sugar

  • Cardamomo harmonizando com ésteres
  • Candy Sugar escuro intensificando frutas secas

Receita prática: Imperial Stout “Red Velvet Chocolate Cake”

  • Estilo: Imperial Stout
  • Adjuntos: nibs de cacau, extrato de baunilha, suco de beterraba
  • Destaques:
    • Double mash para alta densidade
    • Carbonatação de 2.5 volumes para espuma vermelha
    • Maturar com nibs de cacau e ajustar com suco de beterraba

Livros para se aprofundar

Conclusão

Produzir uma Specialty Spice Beer de qualidade exige técnica, planejamento e sensibilidade. Definir o propósito da especiaria, testar aditivos sensorialmente e manter a base limpa e equilibrada são chaves para criar uma verdadeira experiência de aroma, sabor e história no copo!

E você, já se aventurou por esse estilo?

#273 – Análise da influência do terroir no lúpulo Comet

lúpulo Comet

Lúpulo Comet brasileiro: aualidade, desafios e oportunidades para o mercado cervejeiro

Introdução

O lúpulo brasileiro tem ganhado espaço e respeito entre cervejeiros e pesquisadores, especialmente com o crescimento do cultivo da variedade Comet. Para entender melhor esse cenário, o Brassagem Forte recebeu Raul Rosa, farmacêutico, bioquímico e cervejeiro caseiro desde 2011, que conduz pesquisas sobre lúpulo na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Neste episódio, Raul compartilhou detalhes técnicos e os bastidores de sua investigação sobre o desempenho do lúpulo Comet brasileiro e sua comparação com o de regiões produtoras dos Estados Unidos.

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A motivação por trás do estudo

Embora o foco do projeto de Raul Rosa não seja o terroir em si, a influência do ambiente, assim como a das práticas agronômicas, nas características químicas e sensoriais do lúpulo se tornou um componente central. A linha principal da pesquisa é a produção e caracterização de extratos de lúpulo, que competem com o lúpulo em pellet no uso comercial.

Por que o Comet?

A escolha pela variedade Comet teve três justificativas principais:

  1. Qualidade observada empiricamente por Raul em fazendas brasileiras.
  2. Dados da Aprolúpulo, que mostraram o Comet como a variedade mais plantada no Brasil em 2023 (34 hectares – 32% da área total).
  3. O Comet é uma variedade pública desenvolvida pela Oregon State University, facilitando o acesso e a colaboração com o laboratório do professor Thomas Shellhammer, referência mundial em ciência cervejeira.

Um comparativo entre Brasil e Estados Unidos

A proposta metodológica envolveu comparar amostras do Comet cultivado no Brasil com amostras das regiões de Yakima Valley (Washington) e Willamette Valley (Oregon). Essas áreas integram o chamado Pacific Northwest, região que concentra a maior parte da produção estadunidense de lúpulo.

Já as amostras brasileiras foram coletadas de quatro fazendas: Brava Terra, Boca da Mata, Terra Alta Lúpulo e Lúpulo Brasil.

Terroir brasileiro e fotoperíodo artificial

Como o Brasil tem baixa variação de fotoperíodo ao longo do ano, os produtores utilizam luz artificial com LEDs para simular os longos dias de verão das regiões temperadas e estimular o crescimento adequado do lúpulo. Esse fator tecnológico passou a compor uma característica única do terroir brasileiro de lúpulo.

No momento, estão em andamento pesquisas sobre o espectro de luz mais eficiente para esse tipo de cultivo.

Resultados promissores da pesquisa

Alta consistência nos teores de alfa-ácidos

O lúpulo Comet brasileiro apresentou teores estatisticamente superiores de alfa-ácido, com baixa variabilidade entre as amostras. Raul acredita que o momento de colheita — possivelmente tardio — pode ter favorecido esse acúmulo.

Ele também menciona uma tendência preocupante na Europa, onde mudanças climáticas têm reduzido o teor de alfa-ácido em variedades tradicionais, como o Saaz.

Mudanças climáticas e oportunidade para o Brasil

Com quebras de safra em regiões tradicionais, empresas do setor têm buscado diversificação geográfica. Isso representa uma oportunidade estratégica para os produtores brasileiros, principalmente considerando que o país importa cerca de 99% do lúpulo que consome, apesar de ser o terceiro maior produtor de cerveja do mundo.

O Comet e as lagers nacionais

Embora haja uma tendência em usar o Comet em IPAs brasileiras, Raul propõe seu uso como lúpulo de amargor em Lagers de grande escala. Ele argumenta que consolidar o uso do lúpulo nacional nas cervejas mais consumidas no país pode trazer impacto real para os produtores rurais.

Análise sensorial estruturada

Potenciais e desafios aromáticos

A análise sensorial foi conduzida com painel treinado, utilizando referências aromáticas para cada descritor. O lúpulo Comet brasileiro se mostrou tão cítrico e floral quanto os norte-americanos. Também apresentou notas resinosas e herbais marcantes.

Off-flavors e variabilidade

No entanto, as amostras brasileiras apresentaram de forma consistente o descritor onion/garlic (cebola e alho), potencialmente associado à colheita tardia. Um outro off-flavor identificado foi o pimentão, que, por sua vez, pode indicar colheita precoce. Esses dados sugerem uma falta de padronização no manejo entre as fazendas.

A pesquisa também identificou grande variabilidade entre as amostras brasileiras, inclusive com notas de tabaco e madeira em uma delas, demonstrando o potencial de complexidade do terroir nacional.

Aplicações práticas e usos do lúpulo nacional

Raul reforça que não basta ter bons resultados laboratoriais. O lúpulo precisa ser testado em cervejas reais para entender seu impacto sensorial. Ele recomenda aos cervejeiros que testem em lotes pequenos antes de grandes produções, especialmente se o objetivo for utilizar lúpulo nacional de forma consistente.

Cultura científica e colaborações internacionais

Um dos desafios enfrentados foi a dificuldade de coleta de amostras no Brasil. Raul destaca a baixa cultura de apoio à pesquisa por parte de produtores, em contraste com os EUA, onde entidades como o Hop Research Council são financiadas pelas próprias fazendas.

Durante sua estadia na Oregon State, Raul participou de outras pesquisas avançadas, como o impacto de incêndios florestais no lúpulo, uso de enzimas para rendimento de mosto e leveduras modificadas via CRISPR para aumentar a biotransformação aromática.

Método estatístico: como a análise foi conduzida

Na pesquisa de Rosa, foram utilizadas análises estatísticas como:

  • Análise de variância (ANOVA) para identificar diferenças significativas entre grupos.
  • Análise multivariada para cruzar dados químicos e sensoriais e entender suas correlações. Por exemplo, o descritor onion/garlic apareceu no mesmo quadrante estatístico dos altos teores de alfa-ácido e óleos essenciais.

Essas técnicas possibilitam visualização intuitiva das relações entre amostras e características sensoriais.

O futuro da pesquisa com lúpulo no Brasil

O próximo foco de Raul é concluir seu doutorado com a produção de extratos de lúpulo. No futuro, pretende expandir o estudo para outras variedades como a Cascade, também pública, muito plantada no Brasil.

Para isso, ele planeja incluir um agrônomo na equipe de pesquisadores, a fim de investigar os fatores agronômicos por trás da variabilidade observada, como tipo de solo, manejo e fertilização.

Conclusão: o Comet é só o começo

O estudo conduzido por Raul Rosa representa um marco para a pesquisa aplicada em lúpulo no Brasil. Com uma abordagem rigorosa e multidisciplinar, a análise mostrou que o lúpulo Comet cultivado em território nacional tem qualidade comparável — e em certos aspectos superior à dos produzidos em regiões tradicionais como Yakima e Willamette.

A consistência nos teores de alfa-ácido, a presença de óleos essenciais expressivos e o potencial sensorial revelam que o Brasil está no caminho certo. Com investimento, mais pesquisa e uso prático, o lúpulo brasileiro pode se consolidar como um insumo competitivo no cenário global.

Cabe agora ao mercado abraçar essa oportunidade: usar, testar, confiar e valorizar o que está sendo cultivado por aqui. O Comet é só o começo de uma nova era para o lúpulo nacional.

#272 – A Hora Ácida: envase de cervejas ácidas

A Hora Ácida - envase

Como envasar cervejas ácidas complexas com segurança: guia completo para caseiros e profissionais

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, ao lado de Diego Simão Rzatki, da Cervejaria Cozalinda, você vai mergulhar de cabeça no mundo das cervejas ácidas e de fermentação mista.

Este episódio cobre tudo o que você precisa saber sobre envase de sour beers: escolha da garrafa, rolha, carbonatação, refermentação e como evitar erros críticos.

Quando é a hora certa de envasar uma cerveja ácida?

Fermentação finalizada: a atenuação como critério inegociável

O primeiro passo para garantir um envase seguro é certificar-se de que a cerveja terminou completamente a fermentação. Em sours complexas, isso significa atingir uma FG (final gravity) abaixo de 1.004, sendo o ideal abaixo de 1.002 ou até zero Plato.

A sensorialidade como bússola do cervejeiro

Além do critério técnico, a decisão de envase também depende da análise sensorial. Só a experiência permite prever como aquela cerveja flat se comportará após a carbonatação. O cervejeiro deve conhecer bem seu produto e o ponto ideal de evolução.

Estabilidade da FG e tempo de espera

Fermentações com múltiplos micro-organismos são lentas. A estabilidade de FG deve durar de dois a três meses, com densidade abaixo do limite de segurança. O uso de ingredientes como tapioca, da maneira que é empregada pela Cozalinda, por exemplo, pode ser estratégico, pois fornece substrato residual para a Brettanomyces atuar ao longo do tempo, prolongando a shelf-life, a durabilidade na prateleira.

Escolhendo a garrafa ideal para sour beers

Resistência à pressão

Evite garrafas comuns de ales e lagers. Prefira:

  • Garrafas de sidra (até 4 volumes de CO2)
  • Garrafas de espumante (até 6 volumes de CO2)

Volume e evolução sensorial

Quanto menor a garrafa, mais rápida a evolução sensorial. O mesmo rótulo pode expressar nuances diferentes em volumes de 375ml, 750ml e 1.500ml.

Cor da garrafa: verde, âmbar ou transparente?

A escolha da cor segue critérios de tradição (no caso das verdes) ou estéticos (garrafas transparentes, como a da Macacada). Desde que armazenadas corretamente, o risco de lightstruck é mínimo.

Tipos de fechamento e suas implicações

Tampas metálicas e badoques

  • Tampas de aço inoxidável são recomendadas por sua durabilidade e resistência à oxidação.
  • Badoques oferecem isolamento superior, mas requerem habilidade no fechamento e podem tornar a evolução da cerveja lenta demais.

Rolhas de cortiça e sintéticas

  • Rolhas naturais têm boa performance, mas variam em compactação e durabilidade.
  • Rolhas técnicas (como as usadas nos EUA) têm baixa permeabilidade, mas exigem arrolhadores industriais e podem deformar com equipamentos imprecisos.
  • Tratamentos com silicone alimentício facilitam a extração, mas devem ser usados em até 6 meses.

O temido THP: o que é e como evitar

THP (Tetra-Hidro-Piridina) é um off-flavor que lembra papelão molhado e surge da interação entre oxigênio, acidez e compostos da cerveja no momento do envase.

Como evitar?

  • Nunca use carbonatação forçada!
  • Faça uma refermentação vigorosa com 14g/L de priming, garantindo consumo do oxigênio residual.

Se aparecer, como resolver?

Deixe a cerveja na garrafa por mais tempo. A Brettanomyces consumirá o THP com o tempo.

Refermentação: adicionar levedura ou não?

O dilema da viabilidade microbiana

Cervejas envelhecidas por anos têm micro-organismos com baixa viabilidade.

Soluções recomendadas

  • Usar CBC-1 (Lallemand) ou Saccharomyces eubaianus (levedura de espumante)
  • Adicionar nutrientes específicos para refermentação
  • Fazer propagação adaptativa (ácido-choque) com suco de maçã e cerveja em proporções crescentes até a levedura estar adaptada

Tempo de refermentação estimado

  • 3 dias no verão
  • 7 dias em temperatura ambiente
  • 15 dias no inverno
  • Usando mosto complexo: até 6 meses

Armazenamento pós-envase: melhores práticas

  • Deite as garrafas por no mínimo 15 dias após o envase. Isso ajuda na formação de biofilme e hidratação da rolha.
  • Após esse período, podem ser colocadas em pé para envelhecimento prolongado.
  • Mantenha em local fresco, escuro e estável.

Conclusão: excelência no envase depende dos detalhes

Produzir e envasar uma cerveja ácida complexa com segurança e qualidade é um exercício de paciência, conhecimento técnico e consistência. Cada decisão — do blend ao tipo de rolha — afeta diretamente a estabilidade, o perfil sensorial e a longevidade do produto.

Como mostrou Diego Simão, o Brasil tem todas as condições de se tornar uma referência mundial em sours. Com mais cervejeiros estudando, testando e trocando experiências, esse futuro está cada vez mais próximo.

#271 – Águas Históricas e Correções

águas históricas cervejeiras

A série mais aguardada do Brassagem Forte, dedicada à água na produção cervejeira, chegou ao seu terceiro episódio.

Dando continuidade aos temas anteriores, o básico sobre água (ep. #263) e os íons cervejeiros, pH e alcalinidade (ep. #267), este capítulo trata das águas históricas, influentes no desenvolvimento da indústria e de vários estilos, e as correções desse ingrediente fundamental.

Siga esse papo conosco até o episódio 275, com um programa especial de perguntas e respostas!

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, Henrique Boaventura e Gabriela Lando, a Química Cervejeira, vão trazer tudo sobre as minúcias, os detalhes e os ajustes na composição da água para melhorar a sua cerveja.

A importância da água na produção de cervejas históricas

Por que estudar as águas históricas?

A água desempenhou um papel essencial na criação dos estilos clássicos de cerveja. Henrique e Gabriela explicam que, diferentemente de outros insumos como lúpulo e malte, que podem ser facilmente transportados, a água sempre foi um fator limitante. Até 95% da composição da cerveja é água, e transportar grandes volumes nunca foi viável historicamente.

E, além disso, nos séculos passados, não se investigava nem se preocupava com a composição da água. O que não levou cervejeiros do passado a investirem nas minúcias relativas a esse ingrediente.

Assim, as características da água local influenciaram diretamente o desenvolvimento de estilos específicos em determinadas regiões.

A geologia e os perfis de água

Os minerais presentes na água de uma região são consequência direta da geologia local. Águas subterrâneas, em especial, carregam íons das rochas e solos adjacentes, criando perfis únicos que influenciam o processo cervejeiro. No livro A Evolução da Cerveja em 50 Estilos, traduzido e editado por Gabriela Lando para a Editora Krater, são destacados três perfis principais:

  • Perfil rico em carbonato de cálcio: encontrado em Londres, Dublin e Munique, ideal para estilos escuros.
  • Perfil rico em sulfato de cálcio: característico de Burton-upon-Trent, proporciona o amargor típico das Pale Ales.
  • Perfil quase zerado de minerais: presente em Pilsen, na República Tcheca, permitindo que os ingredientes locais brilhem na Pilsner.

Estilos de cerveja e a influência da água local

A origem das Dry Stouts e a conexão com as Porters

A história das Dry Stouts está intrinsecamente conectada às Porters. O termo stout originalmente era um adjetivo em inglês, significando “forte”, e passou a denominar cervejas mais robustas. O primeiro registro das Porters data de 1760, mas já eram produzidas desde 1720 na região de Londres.

Um mito popular da época dizia que apenas as águas do rio Tâmisa poderiam produzir boas Porters. Embora exagerado, o mito tinha um fundo de verdade: as águas do sul da Inglaterra, ricas em carbonato de cálcio, eram ideais para cervejas escuras. Ao serem fervidas, tornavam-se mais macias, favorecendo a extração da cor dos maltes escuros.

Evolução das técnicas cervejeiras: o papel da água e do malte na qualidade das Porters e Stouts

A introdução do malte black, ou patent malt, no início do século XIX, revolucionou a produção de cervejas escuras. Com o uso do coque como combustível para a torrefação, o novo método trouxe uniformidade e novas possibilidades de sabor. A substituição do malte brown pelo malte black foi especialmente evidente na Guinness, que passou a usar apenas malte pale e black a partir de 1828, contribuindo para o perfil seco e torrado das Irish Stouts.

Recomendações técnicas para perfis de água cervejeira

Faixas recomendadas para estilos clássicos

Dry Stout:

  • Cálcio: 50-75 ppm
  • Sulfato: 50-150 ppm
  • Cloreto: 50-100 ppm
  • Alcalinidade: 80-150 ppm
  • Alcalinidade residual: 30-90 ppm

IPA (India Pale Ale):

  • Cálcio: 50-150 ppm
  • Sulfato: 100-300 ppm (podendo chegar a 400 ppm para West Coast IPAs)
  • Cloreto: 0-100 ppm
  • Alcalinidade: 40-120 ppm
  • Alcalinidade residual: -30 a 30 ppm (cervejas claras) e 0 a 60 ppm (Amber ou escuras)

Conclusão: a água como pilar da cerveja de qualidade

Ao longo do episódio, deste texto e, de modo geral, desta série, viemos explorando detalhadamente a importância da água na produção de cervejas e como o tratamento adequado pode transformar o resultado final. Desde o entendimento da composição inicial da água, passando pela remoção de componentes indesejáveis até a adição precisa de sais minerais, cada etapa requer conhecimento e precisão! ✅

O conhecimento aliado à prática resulta em cervejas que encantam o paladar e perpetuam a tradição cervejeira com excelência. Ao equilibrar os perfis minerais da água e dominar as técnicas de ajuste, os cervejeiros podem criar produtos que se destacam tanto pela complexidade sensorial quanto pela fidelidade aos estilos históricos, com seus respectivos parâmetros específicos.

#270 – Brassando com Estilo: Old Ale

Capa - Old Ale

Old Ale: história, características e receita completa para produzir e envelhecer sua cerveja inglesa

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, neste epísódio, juntamente com Jamal Awadallak, exploramos os detalhes que tornam esse estilo único e como obter os melhores resultados ao produzi-lo.

O que é Old Ale? História e origem do estilo inglês

O termo Old Ale é utilizado há séculos na Inglaterra para descrever cervejas destinadas à guarda e envelhecimento. Diferente das Mild Ales, que são cervejas jovens e frescas, as Old Ales são feitas para passar por uma longa maturação, desenvolvendo características únicas ao longo do tempo.

⏳ Historicamente, muitas dessas cervejas apresentavam um “K” ou “X” no nome, indicando sua intensidade ou tempo de guarda, uma tradição bem detalhada no livro A História das Cervejas Britânicas, de Martyn Cornell, recentemente traduzido para o português e publicado pela Editora Krater.

Evolução histórica: Mild Ale, Stock Ale e Barley Wine

A trajetória da Old Ale acompanha a própria história da escola cervejeira inglesa. Termos como Stock Ale, Barley Wine e Burton Ale eram, antigamente, utilizados quase de forma intercambiável. Por isso, autores como o historiador Ronald Pattinson reforçam que, no passado, não havia uma distinção clara entre eles.

Hoje, o estilo está definido no BJCP (Beer Judge Certification Program) como 17B Old Ale, mas com uma ampla variação entre exemplares:

  • Cervejas de barril (cask ales): teor alcoólico mais baixo (4.5% a 5%), não envelhecidas, semelhantes às Milds.
  • Versões envelhecidas: teor alcoólico entre 6% e 8%, com características de maturação prolongada.

Essa diversidade histórica reflete as mudanças econômicas, tecnológicas e culturais da Grã-Bretanha, como crises de guerra e avanços na malteação, que influenciaram diretamente a composição das cervejas.

Perfil sensorial da Old Ale segundo o BJCP

Aromas

O aroma é dominado pelo malte adocicado e ésteres frutados, frequentemente com uma mistura complexa de:

  • Frutas secas
  • Caramelo
  • Melado
  • Toffee
  • Notas vínicas (xerês, porto)
  • Leves traços de oxidação

    ✳ Aroma de lúpulo geralmente não está presente.

Aparência

  • Cor variando do âmbar profundo ao marrom escuro avermelhado.
  • Muitas vezes escurecida ainda mais pela oxidação e idade.
  • Límpida, mas pode ser quase opaca.
  • Colarinho de baixo a moderado, cor creme a castanho claro.

Sabor

  • Maltado de médio a alto, com nozes, caramelo, melado.
  • Chocolate leve ou malte torrado (opcional).
  • Equilíbrio geralmente adocicado, mas pode variar.
  • Ésteres frutados (frutas secas, vínicos).
  • Oxidação positiva com notas de vinho do Porto.
  • Força alcoólica evidente.

Corpo e carbonatação

  • Corpo de médio a cheio, denso.
  • Carbonatação baixa a moderada.
  • Leve acidez e taninos opcionais.

Diferenças entre Old Ale e Barley Wine inglesa

A fronteira entre a Old Ale e a English Barley Wine é bastante tênue:

  • ABV acima de 7%: tende a ser classificada como Barley Wine.
  • Com ênfase maior nas qualidades provenientes do envelhecimento (oxidação positiva, notas vínicas): Old Ale.

Ingredientes essenciais para uma autêntica Old Ale

Malte base: por que usar Maris Otter?

O malte Maris Otter Pale Ale é preferido por seu perfil característico:

  • Notas de biscoito champanhe.
  • Maior complexidade e clarificação.
  • Utiliza-se de 85% a 90% do grist.

Maltes especiais e caramelo: construindo complexidade

  • Caramelo médio (60°L): toffee e bala de caramelo.
  • Caramelo escuro (120°L): frutas escuras e leve azedinho.
  • Malte Chocolate: ajuste de cor e notas amendoadas.
  • Caramelo inglês nº 3: preparado artesanalmente para características históricas.

Adjuntos e açúcares: como equilibrar corpo e dulçor

  • Açúcares simples (açúcar de cana ou invertido) ajudam a secar o corpo e evitar dulçor excessivo.
  • Milho e trigo eram usados historicamente, mas são dispensáveis nas versões modernas.

Processo de brassagem da Old Ale: Mostura e controle de FG

  • Mostura simples por infusão única a 66-67ºC.
  • Controlar temperatura para evitar FG muito alta (limite máximo: 1022).

Lúpulo inglês: amargor estratégico e envelhecimento

  • Uso de lúpulos ingleses como Target.
  • Ajustar IBUs:
    • 50 IBUs para envelhecimento prolongado.
    • 30-35 IBUs para consumo jovem.

Oxidação controlada: vilã ou aliada na cerveja envelhecida?

A oxidação controlada é bem-vinda, contribuindo para:

  • Notas de frutas secas, vinho do Porto, madeira.
  • Cuidado com oxidação excessiva (principalmente em barricas pequenas).

Leveduras ideais para Old Ale: perfil inglês e técnicas

Leveduras recomendadas:

  • Secas: Lallemand London, Fermentis S-04, Nottingham.
  • Líquidas: Resident Ale, EB Fermo Whale.

Dicas:

➡ Usar alta taxa de inoculação (3 pacotes secos para 20L ou propagação).
➡ Temperatura: 17-21ºC.
➡ Opcional: Brettanomyces para perfil histórico.
➡ Suplementação: Zinco e oxigenação.

Perfil de água para Old Ale: simplicidade e equilíbrio

Sugestão:

ComponenteValor (ppm)
Cálcio100
Sulfato100
Cloreto100

Evitar excesso de cloreto para não deixar a cerveja enjoativa.

Carbonatação e guarda: como envelhecer sua Old Ale corretamente

  • Carbonatação: 2.3 a 2.5 volumes de CO₂.
  • Evitar alta carbonatação para preservar sensorial.
  • Envelhecimento:
    • 6 meses mínimo.
    • Temperatura ideal: 18-20ºC.
    • Priming ajuda na proteção contra oxidação.
    • Garrafas menores (300-375ml) facilitam consumo gradual.

Receita completa de Old Ale moderna com técnicas históricas

Volume: 20 litros
OG: 1.078
FG: 1.020
ABV: 7,6%
IBU: 50 (para envelhecimento) ou 35 (fresco)
Cor: 40 EBC
Eficiência: 60%
Fervura: 90 minutos

Maltes:

  • 6 kg Maris Otter Pale Ale
  • 300g Caramelo 120°L
  • 300g Caramelo 60°L
  • 100g Malte Chocolate
  • 430g Caramelo Inglês nº 3 (preparado artesanalmente)

Lúpulo:

  • 45g Target (11% AA) com 90 minutos de fervura.

Perfil de água:

  • 6,3g Cloreto de Cálcio
  • 2,2g Sulfato de Magnésio
  • 6,4g Sulfato de Cálcio

Levedura:

  • AEB Fermoale Whale ou equivalente
  • Opcional: Brettanomyces bruxellensis (0,1 pacote)

Processo:

  1. Mostura simples a 67ºC por 60 minutos.
  2. Mash out a 78ºC.
  3. Inoculação a 15ºC, fermentação principal a 17ºC.
  4. Descanso de diacetil por 2 dias.
  5. Clarificação e maturação por 14 dias.
  6. Envelhecimento mínimo: 6 meses.

Conclusão: produza sua Old Ale com confiança

A Old Ale é um dos estilos mais ricos e fascinantes da escola inglesa, unindo tradição, complexidade e a possibilidade única de evolução com o tempo. Dominar sua produção exige atenção aos detalhes: escolha dos maltes, controle da fermentação, equilíbrio do amargor e paciência para o envelhecimento.

Com as técnicas e recomendações apresentadas, você está preparado para produzir uma Old Ale autêntica, seja para consumo jovem ou para desfrutar ao longo de anos.

Quer aprofundar ainda mais sua produção? Experimente adaptar a receita sugerida, teste diferentes tempos de guarda e descubra como a oxidação controlada pode transformar sua cerveja!

#269 – Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus: amiga ou inimiga?

#269 - Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus

Introdução

A levedura é um dos pilares fundamentais da produção cervejeira, e, nesse universo, a Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus gera fascínio e desafios.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, neste episódio do Brassagem Forte, Henrique Boaventura conversa com Gabriela Müller, diretora técnica da própria Levteck, sobre o impacto dessa levedura na fermentação, sua biologia e aplicações.

O trabalho da Levteck com leveduras

A Levteck Tecnologia Viva se destaca por sua produção de fermento líquido e kits de controle microbiológico. A empresa investe na pesquisa e no isolamento de novas leveduras, incluindo aquelas obtidas no projeto Manipuera. Além disso, ela permite que cervejeiros caseiros testem novas linhagens e compartilhem seus resultados, promovendo a inovação no setor.

O que é a Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus?

A Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus já foi considerada um problema para a produção cervejeira devido à sua capacidade de consumir carboidratos complexos, prolongando a fermentação e causando supercarbonatação. Contudo, quando bem manejada, essa levedura pode ser uma grande aliada na produção de estilos específicos.

O papel dos genes STA

O diferencial dessa levedura está no conjunto de genes STA (STA1, STA2 e STA3), responsáveis pela produção da enzima glicoamilase. Essa enzima degrada carboidratos complexos em açúcares menores, permitindo que a levedura continue fermentando além do esperado. Assim, tal característica é essencial para cervejas de alta atenuação.

Descoberta e classificação taxonômica

Descoberta em 1943, a Saccharomyces diastaticus foi inicialmente classificada como uma espécie distinta. Mas, com o avanço das técnicas de biologia molecular, pesquisadores perceberam que suas diferenças genéticas em relação à Saccharomyces cerevisiae eram mínimas. De modo que, em 2009, ela foi reclassificada como uma variedade da mesma espécie.

Como a diastaticus impacta a fermentação?

A principal característica dessa levedura é sua fermentação prolongada. Inicialmente, ela consome os açúcares simples, mas depois entra em uma fase em que secreta a citada glicoamilase para degradar carboidratos mais complexos. Esse processo pode levar dias adicionais, impactando diretamente a atenuação da cerveja.

Identificação e controle da diastaticus

⏳ Historicamente, a detecção dessa levedura era feita por observação microscópica e pelo comportamento fermentativo anômalo. Hoje, métodos moleculares permitem identificar a presença dos genes STA com alta precisão.

Problemas potenciais na produção cervejeira

A presença não-intencional da diastaticus pode causar problemas como:

  • Supercarbonatação: a fermentação prolongada pode resultar em garrafas ou latas explosivas.
  • Alterações sensoriais: a diastaticus pode produzir compostos fenólicos indesejáveis, como notas de cravo ou borracha.
  • Contaminação cruzada: falhas na limpeza podem espalhar essa levedura para outras produções.

Aplicações positivas da diastaticus

Apesar desses desafios, a diastaticus tem um grande potencial na produção cervejeira e industrial.

  • É usada em estilos de cerveja específicos, como Farmhouse Ales, Saisons e Tripels, nas quais a atenuação elevada é desejada.
  • Utilizada na produção de bebidas com baixo teor de carboidratos, graças à sua capacidade de degradação de açúcares complexos.
  • E também é mobilizada pela indústria de etanol, em processos que envolvem substratos amiláceos, como o milho, nos quais a sua capacidade de fermentação contínua é altamente valorizada.

Estratégias de inoculação e fermentação

A forma como essa levedura é introduzida no processo faz toda a diferença no resultado final. Assim, são duas as abordagens mais comuns:

  1. Inoculação simultânea: ambas as cepas mobilizadas na produção são adicionadas juntas, criando um equilíbrio entre ésteres e atenuação.
  2. Inoculação sequencial: uma levedura primária realiza a maior parte da fermentação antes da diastaticus ser introduzida para “secar” a cerveja.

Boas práticas de limpeza e controle microbiológico

A diastaticus não forma biofilmes robustos como a Brettanomyces, tornando-a mais fácil de eliminar com boas práticas de sanitização. No entanto, falhas na limpeza podem levar à contaminação cruzada e fermentações indesejadas. Portanto, algumas medidas são necessárias e, entre as essenciais, é possível citar:

➡ Uso de produtos sanitizantes eficazes.
➡ Verificações microbiológicas regulares.
➡ Manutenção rigorosa de equipamentos de envase e fermentação.

Conclusão

A Saccharomyces cerevisiae var. diastaticus pode ser uma vilã ou uma grande aliada na produção cervejeira. O segredo está no controle e no conhecimento técnico para aproveitar seu potencial sem comprometer a qualidade da cerveja. De modo que o seu uso planejado pode resultar em cervejas mais secas, complexas e diferenciadas, enquanto sua presença não intencional pode gerar grandes desafios e problemas.

Se você quer entender ainda mais sobre essa levedura e como utilizá-la com segurança, confira este artigo detalhado da Levteck Tecnologia Viva.

Conhecia essa variedade de levedura? Já a utilizou, ou enfrentou problemas com ela nas suas próprias experiências cervejeiras? Conte mais aqui nos comentários!

#268 – A Hora Ácida: o papel do lúpulo em cervejas ácidas em geral

Lúpulos e cervejas ácidas

O Papel do Lúpulo em Cervejas Ácidas

No universo das cervejas ácidas, o lúpulo nem sempre foi visto como um aliado. Muitos acreditam que sua presença pode comprometer o perfil ácido tão característico desse estilo. No entanto, a história e a ciência por trás do uso do lúpulo em cervejas ácidas mostram que ele tem um papel fundamental na conservação, no controle microbiológico e na complexidade sensorial dessas cervejas.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, ao lado de Diego Rzatki, da Cervejaria Cozalinda, você vai mergulhar de cabeça no mundo das cervejas ácidas e de fermentação mista.

A Evolução do Uso do Lúpulo na Cerveja

⏳ Antes da disseminação do lúpulo como ingrediente essencial na produção cervejeira, diversas plantas eram utilizadas para aromatizar e conservar a bebida. O gruit, uma mistura de ervas como alecrim e mirra, era amplamente utilizado na Europa continental medieval, mas não oferecia os mesmos benefícios do lúpulo em termos de estabilidade e conservação da cerveja.

A primeira pessoa a descrever as propriedades conservantes do lúpulo foi Hildegarda von Bingen, uma abadessa beneditina do século XII. Em sua obra Physica, ela destacou a capacidade do lúpulo de preservar a cerveja por mais tempo e influenciar o seu sabor. Esse conhecimento se popularizou nos mosteiros europeus, centros notáveis de produção e desenvolvimento cervejeiro na Idade Média.

A adoção do lúpulo revolucionou a produção cervejeira, aumentando a estabilidade do produto final. Com melhor conservação, a cerveja pôde ser armazenada por mais tempo e transportada para distâncias maiores, impulsionando seu comércio.

Lúpulo e Controle Microbiológico nas Cervejas Ácidas

Além de aroma e sabor, o lúpulo tem um papel essencial no controle microbiológico das cervejas. Seus compostos possuem propriedades bactericidas que inibem o crescimento de diversos microrganismos, reduzindo a ocorrência de contaminações. No entanto, algumas cepas de bactérias ácido-lácticas conseguem sobreviver mesmo em ambientes com lúpulo, influenciando o perfil sensorial das cervejas ácidas.

A evolução das técnicas de fermentação e o isolamento da primeira colônia pura de levedura por Emil Hansen, em 1883, permitiram maior previsibilidade nos resultados finais das cervejas. Antes disso, praticamente todas elas apresentavam algum nível de acidez devido à presença de microrganismos selvagens no processo de fermentação.

A Presença da Acidez na História Cervejeira

⏳ Até o século XIX, praticamente todas as cervejas continham algum grau de acidez. Com o avanço do controle microbiológico e a padronização das leveduras, surgiram cervejas sem acidez marcante, como as lagers e algumas ales modernas. No entanto, estilos históricos como as sours belgas, Flanders Red Ale e Lambics mostram que a acidez faz parte da tradição cervejeira. Mesmo em locais como a Inglaterra, onde o uso de lúpulo se tornou caracteristicamente elevado, o blending de cervejas jovens e envelhecidas para equilibrar a acidez foi prática muito comum. O uso de barris de madeira também contribuiu para a presença de microrganismos que conferiam notas ácidas às cervejas.

O Lúpulo e as Cervejas Ácidas: Como Encontrar o Equilíbrio?

➡ O lúpulo influencia diretamente o perfil das cervejas ácidas. Logo, sua dosagem e forma de adição impactam no equilíbrio entre acidez, amargor e complexidade aromática. Sendo assim, atualmente muitos produtores exploram o dry hopping em cervejas ácidas para adicionar camadas sensoriais sem comprometer a acidez.

➡ A combinação de lúpulos modernos com fermentações selvagens ou espontâneas abre novas possibilidades para criações inovadoras, equilibrando acidez e amargor de maneira harmoniosa. No entanto, é essencial entender que quanto maior o IBU, mais lentamente o pH da cerveja diminuirá. Isso significa que cervejas de fermentação rápida devem ter um IBU mais baixo, enquanto fermentações prolongadas podem se beneficiar de um controle maior sobre a acidez.

Tabela Comparativa: Faixas de IBU nas Cervejas Ácidas

Tipo de Cerveja ÁcidaFaixa de IBUEfeito na Acidez
Quick Sours (Kettle Sour)Até 4 IBUAcidez rápida e intensa
Fermentações Mistas (Wild Ales, Flanders Red)4 – 18 IBUAcidez moderada, equilíbrio com amargor
Traditional Belgian Saison18 – 35 IBULeve acidez com complexidade aromática

Métodos de Fermentação e o Papel do Lúpulo

Diferentes métodos de fermentação de cervejas ácidas interagem de maneiras distintas com o lúpulo:

  • Fermentação concomitante: Saccharomyces, Lactobacillus e, às vezes, Brettanomyces atuam simultaneamente, criando um ambiente dinâmico para o desenvolvimento da acidez e de aromas.
  • Kettle Sour: A fermentação lática ocorre antes da fermentação alcoólica, exigindo baixa interferência do lúpulo para garantir acidez.
  • Fermentação espontânea (Lambic): O uso de lúpulos envelhecidos preserva o controle microbiológico sem adicionar amargor excessivo.

Novas abordagens incluem o uso da levedura Lachancea, que acidifica naturalmente e pode ser mais resistente ao lúpulo, tornando-se uma alternativa interessante para cervejas ácidas lupuladas.

O Uso do Lúpulo na Prática

Ao incorporar lúpulo em cervejas ácidas, considere:

  • Momento da Adição: O lúpulo pode ser adicionado na fervura para contribuir com amargor, ou em dry hopping, para impacto aromático sem interferir na acidez.
  • Escolha da Variedade: Lúpulos nobres como Saaz e Magnum são preferidos devido ao amargor equilibrado.
  • Amargor Controlado: Evitar lúpulos com altos teores de alfa-ácidos em Lambics e Wild Ales, mas explorá-los em Saisons e Hop Sours.

Conclusão: O Futuro das Cervejas Ácidas Lupuladas

O lúpulo em cervejas ácidas desempenha um papel fundamental no controle microbiológico e na definição sensorial, mas sua aplicação deve ser feita com planejamento.

Seu impacto varia conforme o método de fermentação, estilo e faixa de IBU, permitindo experiências que combinam acidez, frescor e complexidade. Se você quer experimentar novas combinações de lúpulo e acidez, explore diferentes receitas e descubra como esse equilíbrio pode criar cervejas inovadoras. Já testou alguma cerveja ácida lupulada? Compartilhe nos comentários sua experiência!

#267 – Água: Íons Cervejeiros, pH e Alcalinidade

Água na Cervejaria: Como os Íons, pH e Alcalinidade Influenciam Sua Cerveja

A qualidade da água cervejeira é um dos fatores mais importantes na produção de cerveja artesanal e industrial. Você já se perguntou por que algumas cervejas têm um amargor mais seco e outras um dulçor mais equilibrado? A resposta está nos íons da água, no pH do mosto e na alcalinidade.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, ao lado de Gabriela Lando, a Química Cervejeira, você vai aprender tudo sobre ajustes na composição da água para melhorar a sua cerveja.

Se você quer elevar o nível da sua produção e entender os detalhes técnicos de como a química da água afeta o sabor e a fermentação, continue a leitura!

E se perdeu o primeiro episódio desta série sobre água, não deixe de conferi-lo também.

O Papel da Água na Produção de Cerveja

A água compõe mais de 90% da cerveja e, dependendo de sua composição, pode influenciar diretamente no sabor, no corpo e no aroma da bebida. Fatores como pH, alcalinidade e íons minerais afetam desde a conversão de açúcares na mosturação até a fermentação e a percepção sensorial da cerveja final.

Os 3 Fatores-Chave da Água Cervejeira:
  1. Íons essenciais: determinam a dureza da água e influenciam a fermentação e o sabor.
  2. pH do mosto: afeta a ação das enzimas e a eficiência da fermentação.
  3. Alcalinidade: mensura a resistência da água às variações de pH, impactando os ajustes necessários.

Vamos explorar cada um desses pontos com mais detalhes!

1. O Que São Íons e Como Influenciam a Cerveja?

Os íons são moléculas ou átomos carregados eletricamente, e o seu nível na composição mineral da água pode alterar o equilíbrio da sua cerveja.

Existem dois tipos principais de íons:

  • Íons funcionais → Participam diretamente da fermentação e produção da cerveja.
  • Íons sensoriais → Afetam o aroma, sabor e corpo da cerveja.
Principais Íons Funcionais na Água Cervejeira
  • Cálcio (Ca²⁺) → O íon mais importante para a cerveja. Ele ajuda a diminuir o pH da mostura, estabiliza enzimas e melhora a floculação da levedura. A faixa recomendada é de 50-150 ppm.
  • Magnésio (Mg²⁺) → Essencial para a saúde das leveduras, mas em excesso pode ter efeito laxativo. O ideal é manter entre 0-40 ppm.
  • Zinco (Zn²⁺) → Atua no metabolismo da levedura e melhora a fermentação. No entanto, acima de 1 ppm pode ser tóxico.
Principais Íons Sensoriais na Água
  • Sódio (Na⁺) → Acentua o dulçor e pode melhorar o corpo da cerveja, mas em excesso (> 150 ppm) pode torná-la salgada.
  • Cloreto (Cl⁻) → Realça o corpo e o dulçor da cerveja. Faixa ideal: 0-100 ppm.
  • Sulfato (SO₄²⁻) → Destaca o amargor do lúpulo, deixando a cerveja mais seca. Faixa recomendada: 0-250 ppm.

Importante: O equilíbrio entre sulfato e cloreto define se a cerveja será mais amarga ou maltada.

2. pH: O Segredo para uma Mosturação Eficiente

O pH da mostura tem um impacto direto na eficiência enzimática e na fermentação. A faixa ideal para a mosturação está entre 5,2 e 5,6.

  • pH baixo (ácido) → Favorece a conversão de açúcares e melhora a estabilidade da cerveja.
  • pH alto (básico) → Pode reduzir a atividade enzimática e deixar a cerveja com sabor adstringente.
Como Ajustar o pH da Mostura?
  • Ácidos → Adição de ácido lático ou ácido fosfórico para reduzir o pH.
  • Sais → O cálcio ajuda a reduzir o pH naturalmente durante a mosturação.
  • Malte Acidificado → Reduz o pH sem alterar significativamente o sabor da cerveja.

Dica prática: Evite usar regras lineares para ajustar o pH (exemplo: “1 ml de ácido reduz 0,5 do pH”), pois a escala de pH é logarítmica, o que significa que a relação entre ácido e ajuste de pH não é direta!

3. Alcalinidade: O Impacto na Correção de Água

A alcalinidade da água indica sua resistência à variação do pH. Quanto maior a alcalinidade, mais difícil será reduzir o pH da mosturação.

Como Controlar a Alcalinidade?

✅Para reduzir a alcalinidade, utilize ácidos (como ácido lático) ou aumente o cálcio na água.
✅ Ferver a água pode precipitar carbonatos e reduzir a alcalinidade.
✅ Utilize água com baixa alcalinidade para cervejas mais leves e claras.

4. Relação Sulfato-Cloreto: Como Ajustar o Equilíbrio da Cerveja?

A proporção entre sulfato e cloreto determina o perfil da cerveja:

  • 0,8 – 1,5 → Cerveja equilibrada entre malte e lúpulo.
  • < 0,8 → Cerveja mais maltada e adocicada.
  • > 1,5 → Cerveja mais amarga e seca.

➡ Para cervejas mais lupuladas, aumente o sulfato.
➡ Para cervejas mais maltadas, aumente o cloreto.

5. Como Remover Cloro da Água?

O cloro residual na água pode formar clorofenóis, que dão à cerveja um sabor medicinal ou plástico. Para evitar esse problema:

✅ Use um filtro de carvão ativado.
✅ Adicione ácido ascórbico para neutralizar o cloro.
Ferva a água por 15 minutos para volatilizar o cloro.

Atenção: Não confunda cloreto (Cl⁻), que pode ser benéfico, com cloro livre (Cl₂), que deve ser removido.

Conclusão: Como Melhorar Sua Cerveja com Ajustes na Água?

Teste sua água → Entenda sua composição antes de fazer ajustes.
Ajuste o pH da mostura → Idealmente entre 5,2 e 5,6.
Mantenha um equilíbrio entre sulfato e cloreto → Evite excessos.
Remova o cloro → Use filtros ou fervura para evitar sabores indesejáveis.

Com esse conhecimento, você pode otimizar sua água cervejeira e melhorar a qualidade das suas cervejas. Faça ajustes estratégicos e experimente diferentes perfis para encontrar o equilíbrio perfeito para cada estilo!

#196 – Dip Hopping

Não acaba mais, sempre tem uma novidade em se tratando de lúpulo.

Com a parceria da Prússia Bier, Cerveja da Casa, da Hops Company e da Levteck, vamos discutir sobre mais uma técnica/processo envolvendo lúpulo e a eterna vontade de extrair sues maravilhosos compostos. Vamos falar de novo sobre Dip Hopping.

E já que estamos falando de lúpulos, queremos apresentar uma novidade. Gostariamos de dar as boas vindas à Prussia Bier ao time de patrocinadores do Podcast. E não poderia ser com uma notícia melhor.
A partir de hoje a Prússia está lançando o seu segundo clube de assinaturas: o Expedição do Lúpulo!
Todos os meses uma IPA com foco em um lúpulo diferente, fresca, sem pasteurização.  Mesma base de maltes e ir variando o lúpulo, e ja tem alguns lúpulos confirmados: Luminosa, Strata, Nelson Sauvin, Zappa, Motueka, Exp 1320
Então corre lá em www.clubeprussia.com.br e assine já! E quem usar o Cupom BRASSAGEMFORTE  ganha 1 pack de IPAs na assinatura anual.

Viu que temos um Apoia.se? Se você em algum momento pensou em ajudar o programa, essa é a chance!



#174 – Fervura

Ferver o mosto como se não houvesse amanhã pode não ser mais uma necessidade.

Com a parceria da Cerveja da Casa, da Hops Company, da Levteck e da Prussia Bier vamos falar sobre benefícios (e malefícios) de fervuras brandas ou intensas, entender que talvez você esteja fervendo demais e que tudo é uma questão de altitude.

E hoje temos um anúncio para quem gosta de IPA e quer descobrir mais sobre esse universo. A Pruissia Bier está lançando um Clube de assinaturas.

Em busca da IPA suprema é um clube diferente. Durante 6 meses, os jovenzinhos da Prussia vão fazer IPAs, cada vez mais lupuladas e alcoólicas. A cada mês vai ter um aumento de lupulagem e de alcool. Tudo isso acompanhado por analises laboratoriais feitas pelo Duan Ceola e degustadas numa confraria online com os assinantes.

As confrarias vão ocorrer todos os meses com os assinantes e com alguns jovens entendidos no assunto. Além de nós, o Duan Ceola, O Victor Bertú, o Thiago Zolet o Alexandre do Canal Dr. Cerveja e o Leandrinho Cerveja Fácil (abraço Leandro) vão participar do rolê

E como não poderia deixar de ser, todas as cervejas serão enviadas com embalagem de isopor e icepack e com frete grátis. As vendas começam HOJE e o clube tem vagas limitadas. Não perde tempo e usa o código BRASSAGEMFORTE que assinando o semestral tu leva um Pack de IPAs de brinde no primeiro envio. Clica aqui!

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