O Dia de Julgamento é uma das séries mais aguardadas do Brassagem Forte, inspirada no programa estadunidense Dr. Homebrew. Nela, jurados certificados pelo BJCP (Beer Judge Certification Program) avaliam uma cerveja caseira ao vivo, com a presença da pessoa que a produziu.
Neste episódio, Henrique Boaventura e Gabriela Lando recebem Lucas Prates, cervejeiro do Vale dos Sinos-RS, para julgar sua German Leichtbier. O programa revela detalhes técnicos da receita, da fermentação e até do perfil mineral da água utilizada.
É uma verdadeira aula de avaliação sensorial e de processo, que conta com a parceria da Hops Company, da Levteck, da EZbrew e da Cerveja Stannis.
O que é o Dia de Julgamento?
Henrique relembra que o objetivo do programa é avaliar cervejas como em concursos oficiais, mas com o diferencial de poder dialogar com o produtor. Essa interação direta permite discutir cada nuance sensorial e identificar como pequenas decisões no processo impactam o resultado final.
“O programa é como um concurso BJCP, mas com o bônus de termos quem produziu a cerveja junto, podendo ajustar percepções e entender intenções”.
O estilo: German Leichtbier (BJCP 5A)
Características do estilo
A German Leichtbier é uma lager alemã clara, seca, leve e altamente atenuada, com baixo teor alcoólico e calorias reduzidas. É moderadamente amarga, com equilíbrio entre malte e lúpulo, e deve ser limpa, refrescante e fácil de beber.
Henrique e Gabi citam o episódio #217 do Brassagem Forte (“Brassando com Estilo: German Leichtbier”) como referência complementar para quem deseja aprofundar-se no estilo.
Quem é Lucas Prates
Da Geologia à cerveja
Lucas iniciou sua jornada cervejeira durante a pandemia, após fazer um curso de produção caseira com Duan Ceola. Formado em Geologia, ele rapidamente trocou as formações rochosas pelos fermentadores e, desde 2022, trabalha profissionalmente em fábrica de cerveja.
“Comecei bebendo boas cervejas nos bares de Porto Alegre e logo quis fazer as minhas. Em janeiro de 2021, fiz minha primeira brassagem e não parei mais”.
O equipamento e o processo
Setup
Lucas utiliza uma single vessel de alumínio de 25 litros, com cesto e bomba de recirculação, típica de sistemas compactos de produção caseira. A intenção inicial era fazer uma decocção, mas imprevistos levaram a uma mostura convencional.
Fermentação
A levedura escolhida foi a German Lager da Levteck, inoculada em 12°C, com rampas progressivas até 17°C. A fermentação durou cerca de 9 dias.
“Comecei a 12 graus, depois fui subindo. É o pitch clássico de lager, mas sem muita frescura. Cerveja é cerveja”, brinca Lucas.
Análise sensorial – Súmula BJCP
A avaliação seguiu os critérios do Guia BJCP 2021, com nota máxima de 50 pontos divididos entre aroma, aparência, sabor, sensação na boca e impressão geral.
Aroma: 10/12
Os jurados identificaram notas de massa de pão crua, cereais e casca de pão leve, com lúpulo herbal e floral de intensidade baixa. Um leve toque sulfuroso e uma nota alcoólica discreta também foram observados.
Henrique: “O álcool aparece por contraste, porque a cerveja é muito neutra, não é uma cerveja quente”.
Aparência: 3/3
A cerveja apresentou coloração amarelo-palha, límpida e brilhante, com espuma branca de alta formação e retenção.
Gabi descreveu a aparência como “creamy”, formando rendado belga no copo. Uma apresentação exemplar!
Sabor: 17/20
O sabor refletiu o aroma, mas com cereais mais evidentes, notas de bolacha cream cracker, e uma picância perceptível além do esperado para o estilo.
O amargor foi médio-baixo, com final seco e retrogosto levemente amargo.
A leve astringência e a picância condimentada sugeriram o uso de malte de centeio, revelação confirmada posteriormente por Lucas.
Sensação na Boca: 3/5
O corpo foi descrito como baixo a muito baixo, com boa carbonatação e sensação crispy.
Gabi notou um leve aquecimento alcoólico e astringência sutil, acentuada pelo corpo seco.
Impressão Geral: 8/10
Uma cerveja excelente, dentro do estilo, mas que poderia ser aprimorada com pequenos ajustes:
- Reduzir o caráter condimentado/picante, proveniente do centeio.
- Diminuir o perfil mineral da água (especialmente cálcio e sulfatos).
- Controlar a temperatura de fermentação para evitar percepção alcoólica.
Pontuação final: 42/50, nota de consenso entre Henrique e Gabi. Portanto, uma cerveja sem falhas graves e com alta drinkability.
O mistério do malte de centeio
Durante a conversa, Henrique descobre que Lucas utilizou 5% de malte de centeio Weyermann na receita, algo incomum para o estilo.
A escolha, segundo Lucas, foi intencional: “Eu gosto de usar centeio em lagers, acho que ajuda no crisp e dá vontade de beber mais”.
Os jurados reconheceram o caráter condimentado e picante, mas concluíram que a proporção estava acima do ideal. A sugestão, então, foi reduzir para 3%, até mesmo eliminá-lo da receita, substituindo por um malte Carapils, ou simplesmente ajustar temperatura de mostura para preservar corpo e suavidade.
O papel da água
Como sempre, Gabi Lando trouxe uma análise detalhada da água de brassagem.
Lucas revelou ter usado água filtrada e ajustada com sulfato de cálcio e cloreto de cálcio, resultando em 85 ppm de cálcio, 125 ppm de sulfato e 75 ppm de cloreto. Valores considerados altos para o estilo.
“A cerveja é tão leve que qualquer excesso aparece. Reduzir 5 ou 10 ppm já faria diferença enorme”, explica Gabi.
O excesso de sais contribuiu para o caráter mineral percebido na boca e no retrogosto. Henrique reforçou que a German Leichtbier pede uma água leve e neutra, destacando que o equilíbrio entre sais e corpo é crucial.
Discussão técnica e aprendizados
Durante o diálogo, o trio identificou que:
- A fermentação em temperatura inicial de 12°C pode ter favorecido leves ésteres.
- O starter sem agitação reduziu a vitalidade das leveduras.
- O platô final acima do planejado aumentou o álcool percebido.
- A mostura a 63°C poderia ser levemente elevada (65–66°C) para reduzir a secura e aumentar o corpo.
Henrique diz: “Em cervejas leves, não há onde se esconder. É nelas que testamos de verdade nossa qualidade como cervejeiros”.
Conclusão
A German Leichtbier de Lucas Prates é uma cerveja tecnicamente bem executada, equilibrada e extremamente limpa. Com nota 42/50, foi considerada uma cerveja excelente, digna de concurso. Os ajustes propostos — redução do centeio, ajuste mineral da água, controle de temperatura e fermentação — são refinamentos que elevam o nível de precisão técnica.
“Façam cerveja em casa. Se não puderem, comprem de quem faz. A cena só gira se todo mundo ajudar” — Lucas Prates
O episódio termina com um tom inspirador e bem-humorado, celebrando o aprendizado coletivo e o espírito colaborativo da cena cervejeira artesanal.

