Neste episódio do Brassagem Forte, Henrique Boaventura recebe Diego Simão para um novo e instigante papo sobre cervejas ácidas complexas, mais especificamente sobre o procedimento conhecido como Acid Shock.
É mais um capítulo que conta com a parceria da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis.
Por que “Acid Shock” é necessário nas cervejas ácidas complexas
O Acid Shock, ou choque ácido, é um protocolo fundamental para quem produz cervejas ácidas complexas. Diferente das ales ou lagers, o ambiente final da garrafa é extremamente hostil para a levedura: pH baixo (3,0–3,5), alta concentração de ácidos orgânicos, escassez de nutrientes e teor alcoólico elevado.
Sem adaptação, a refermentação em garrafa falha, gerando off-flavors como diacetil, acetaldeído e até risco de cerveja instável.
Cervejas rápidas x cervejas complexas
Em kettle sours e ácidas rápidas, o pH é baixo, mas ainda há nutrientes no mosto. Nesses casos, a levedura consegue se adaptar dentro do próprio fermentador. Já nas complexas, após longos períodos de maturação, os nutrientes se esgotam e a levedura não consegue se reproduzir. É aí que o Acid Shock se torna indispensável.
O princípio da solução
O método consiste em adaptar a levedura em etapas, misturando progressivamente a cerveja a ser envasada com um meio nutritivo. Assim, as células se acostumam ao pH ácido, à presença de ácidos e ao teor alcoólico, garantindo uma refermentação em garrafa estável e vigorosa.
Levedura ideal e nutrientes
A recomendação é usar leveduras robustas, especialmente cepas de espumante (Saccharomyces eubayanus) ou cepas comerciais de alta tolerância alcoólica.
Além disso, é essencial incluir nutrientes de refermentação — de preferência os usados em vinhos espumantes — no priming, para evitar fermentações incompletas e defeitos sensoriais.
Materiais necessários
- Mosto estéril ou suco de maçã integral sem conservantes (OG ~1.036–1.042).
- A própria cerveja que será envasada.
- Recipiente sanitizado com airlock.
- Agitador magnético (opcional).
- Nutriente específico.
- Levedura fresca de refermentação.
Planeje-se: comece o processo uma semana antes do envase.
Protocolo de Acid Shock em 3 dias
Dia 1 – Ativação
Inocule a levedura no suco de maçã ou mosto estéril e deixe 24 h.
Dia 2 – 1º Choque
Misture 75% meio nutritivo + 25% cerveja. Fermente por mais 24 h.
Dia 3 – 2º Choque
Misture 50% meio nutritivo + 50% cerveja. Após mais 24 h, você já terá uma massa celular adaptada.
Para grandes volumes (100 L+), pode-se fazer um 3º choque (75% cerveja + 25% meio).
O envase: priming, nutriente e ordem correta
- Faça a calda de priming com açúcar + nutriente (fervida para sanitização).
- Transfira a cerveja para o balde de envase junto à calda.
- Adicione a levedura adaptada somente depois da calda ter esfriado.
- Homogeneíze tudo, evitando excesso de oxigênio.
O processo garante carbonatação estável, evita oxidação (THP) e reduz riscos de diacetil e acetaldeído.
Erros comuns a evitar
- Esquecer o nutriente.
- Jogar a levedura em calda quente.
- Fazer priming garrafa a garrafa.
- Usar levedura inadequada (ex.: ale de prateleira).
- Apostar apenas em carbonatação forçada, que aumenta risco de oxidação.
Maturação e expectativas
Após o envase, espere pelo menos 15 a 30 dias para garantir estabilidade. Em alguns casos, a maturação pode levar até 3 meses antes de a cerveja estar pronta para consumo ou comercialização.
Conclusão
O Acid Shock é um processo simples, mas crucial, para garantir que cervejas ácidas complexas cheguem à garrafa com estabilidade, carbonatação adequada e sem off-flavors. Com levedura robusta, nutriente certo e protocolo de adaptação, você transforma anos de trabalho em uma cerveja que entrega o que se espera: complexidade, equilíbrio e qualidade sensorial!