#292 – Reaproveitamento de Lúpulo de Dry Hopping

O dry hopping (DH) é uma técnica amplamente utilizada para intensificar o aroma das cervejas lupuladas, mas que inevitavelmente gera um subproduto: grandes quantidades de lúpulo saturado de cerveja, descartado após a infusão. A pesquisa de Duan Ceola, apresentada em sua dissertação de mestrado, investigou justamente como reaproveitar esse lúpulo e quais aplicações práticas poderiam surgir desse processo — tanto para a indústria cervejeira quanto para outros setores.

Não perca mais esse papo, que conta com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis

Perdas e ganhos no dry hopping

Composição inicial do lúpulo

Em média, os lúpulos usados no Brasil para DH apresentam:

  • Umidade: 9–10%
  • Alfa-ácidos: ~12%
  • Beta-ácidos: ~4%
  • Óleos essenciais: ~1,8% (1,8 ml/100 g)

As variedades mais comuns incluem Citra, Mosaic, Simcoe e Amarillo, selecionadas pelo potencial aromático, e não necessariamente pelo alto teor de alfa-ácidos.

Após o processo

Depois de 2 dias de DH estático a ~15 °C ou 6 horas de DH dinâmico a 0 °C, os resultados médios foram:

  • Umidade: sobe para 75% (pela absorção de cerveja)
  • Alfa-ácidos: queda de ~15% (de 12% para ~9%)
  • Beta-ácidos: redução de 4% para ~0,7%
  • Óleos essenciais: de 1,8% para ~0,8%

Ou seja, o DH remove cerca de metade dos óleos essenciais (como linalol, geraniol, cariofileno, mirceno, humuleno, limoneno), mas parte relevante ainda permanece na matéria vegetal.

Diferenças entre lúpulos e transferência de compostos

A pesquisa identificou que:

  • Variedades com hidrocarbonetos oxidados (ex.: Sabro, Hydra, Citra em menor grau) transferem menos óleos essenciais.
  • Variedades com hidrocarbonetos puros (ex.: Mosaic, Simcoe, Amarillo) transferem mais compostos.

Apesar da teoria indicar que moléculas oxidadas tenderiam a interagir mais facilmente com a água, na prática esse efeito não se confirmou no DH — mas sim em processos de fervura com compostos chamados survivables.

Limitações do reaproveitamento direto

O uso direto do lúpulo “spent” (exaurido) apresenta desafios:

  • Alta umidade (75%): exige grandes quantidades para substituir lúpulo fresco.
  • Espaço físico: panelas e tinas não são projetadas para receber excesso de matéria vegetal.
  • Risco sensorial: dependendo da cerveja de origem, pode carregar notas indesejadas.
  • Contaminação por levedura: especialmente em DH estático, onde há maior suspensão celular.

Por esses motivos, Ceola identificou que o reaproveitamento direto é mais viável em DH dinâmico, que retém menos levedura e facilita a manipulação.

A solução: produção de extrato de lúpulo

Desenvolvimento

A alternativa encontrada foi a criação de um extrato de alfa-ácidos isomerizados:

  • Processo envolveu ajustes de pH, temperatura e íons metálicos (como magnésio e cálcio).
  • Testes demonstraram que pequenas variações de tempo/temperatura impactavam drasticamente o rendimento.
  • Após meses de estudo, foi possível atingir taxa de isomerização de 99% (contra ~30% do processo convencional).

Rendimento

  • 45 kg de lúpulo spent → ~50 L de extrato.
  • Aplicação prática: ~10 ml de extrato = +1 IBU em 1 L de cerveja.

Esse resultado garante alta eficiência e padronização, permitindo dosagem simples em diferentes momentos do processo: final de fervura, início da fermentação, filtração ou ajuste de amargor.

Aplicações além da cerveja

Embora pensado para cervejarias, o maior interesse comercial surgiu na indústria sucroalcooleira.

  • O extrato atua como agente bioativo, inibindo contaminantes como Acetobacter em fermentações de etanol.
  • Um ganho de apenas 1–1,5% de eficiência em tanques de 500 mil litros gera impacto financeiro enorme.
  • Outras indústrias também podem se beneficiar: medicamentos, cosméticos e bebidas destiladas.

Aspectos econômicos

  • Em 2021, quando o lúpulo estava mais caro, Ceola calculou que o reaproveitamento poderia gerar economia de R$0,20 a R$0,50 por litro de cerveja (dependendo da aplicação, como adicionar amargor em uma lager).
  • Para pequenas cervejarias ou caseiros, o ganho financeiro é irrelevante. Mas em escala industrial, o potencial é gigantesco.

Possibilidades para o caseiro

Apesar de economicamente pouco vantajoso, o cervejeiro caseiro pode experimentar:

  • Reaproveitar DH em bags para facilitar a separação da levedura.
  • Usar o lúpulo spent para criar “água lupulada”, como alguns já testaram com bons resultados sensoriais.
  • Trabalhar a conta básica de compensação: ajustar a dosagem considerando a perda de alfa-ácidos e o aumento de umidade.

Porém, o reaproveitamento só é viável uma única vez. Após nova utilização, o lúpulo perde totalmente suas propriedades, adquirindo coloração marrom e aroma desagradável.

Conclusão

O estudo de Duan Ceola sobre reaproveitamento de lúpulo de DH mostra como um resíduo aparente pode ser transformado em um insumo valioso, especialmente quando convertido em extrato de alfa-ácidos isomerizados.

  • Para o universo caseiro, a prática é mais curiosidade do que ganho real.
  • Para microcervejarias, pode ser uma alternativa pontual, mas com limitações operacionais.
  • Para macrocervejarias e outras indústrias, representa uma oportunidade estratégica de economia, padronização e inovação.

O tema é recente e pouco explorado na literatura científica, mas abre espaço para pesquisas futuras que busquem otimizar o uso direto da matéria vegetal sem depender da produção de extratos. Enquanto isso, a aplicação já desperta o interesse de setores além da cerveja, mostrando que o lúpulo tem muito mais a oferecer do que apenas aroma e amargor.

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