O dry hopping (DH) é uma técnica amplamente utilizada para intensificar o aroma das cervejas lupuladas, mas que inevitavelmente gera um subproduto: grandes quantidades de lúpulo saturado de cerveja, descartado após a infusão. A pesquisa de Duan Ceola, apresentada em sua dissertação de mestrado, investigou justamente como reaproveitar esse lúpulo e quais aplicações práticas poderiam surgir desse processo — tanto para a indústria cervejeira quanto para outros setores.
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Perdas e ganhos no dry hopping
Composição inicial do lúpulo
Em média, os lúpulos usados no Brasil para DH apresentam:
- Umidade: 9–10%
- Alfa-ácidos: ~12%
- Beta-ácidos: ~4%
- Óleos essenciais: ~1,8% (1,8 ml/100 g)
As variedades mais comuns incluem Citra, Mosaic, Simcoe e Amarillo, selecionadas pelo potencial aromático, e não necessariamente pelo alto teor de alfa-ácidos.
Após o processo
Depois de 2 dias de DH estático a ~15 °C ou 6 horas de DH dinâmico a 0 °C, os resultados médios foram:
- Umidade: sobe para 75% (pela absorção de cerveja)
- Alfa-ácidos: queda de ~15% (de 12% para ~9%)
- Beta-ácidos: redução de 4% para ~0,7%
- Óleos essenciais: de 1,8% para ~0,8%
Ou seja, o DH remove cerca de metade dos óleos essenciais (como linalol, geraniol, cariofileno, mirceno, humuleno, limoneno), mas parte relevante ainda permanece na matéria vegetal.
Diferenças entre lúpulos e transferência de compostos
A pesquisa identificou que:
- Variedades com hidrocarbonetos oxidados (ex.: Sabro, Hydra, Citra em menor grau) transferem menos óleos essenciais.
- Variedades com hidrocarbonetos puros (ex.: Mosaic, Simcoe, Amarillo) transferem mais compostos.
Apesar da teoria indicar que moléculas oxidadas tenderiam a interagir mais facilmente com a água, na prática esse efeito não se confirmou no DH — mas sim em processos de fervura com compostos chamados survivables.
Limitações do reaproveitamento direto
O uso direto do lúpulo “spent” (exaurido) apresenta desafios:
- Alta umidade (75%): exige grandes quantidades para substituir lúpulo fresco.
- Espaço físico: panelas e tinas não são projetadas para receber excesso de matéria vegetal.
- Risco sensorial: dependendo da cerveja de origem, pode carregar notas indesejadas.
- Contaminação por levedura: especialmente em DH estático, onde há maior suspensão celular.
Por esses motivos, Ceola identificou que o reaproveitamento direto é mais viável em DH dinâmico, que retém menos levedura e facilita a manipulação.
A solução: produção de extrato de lúpulo
Desenvolvimento
A alternativa encontrada foi a criação de um extrato de alfa-ácidos isomerizados:
- Processo envolveu ajustes de pH, temperatura e íons metálicos (como magnésio e cálcio).
- Testes demonstraram que pequenas variações de tempo/temperatura impactavam drasticamente o rendimento.
- Após meses de estudo, foi possível atingir taxa de isomerização de 99% (contra ~30% do processo convencional).
Rendimento
- 45 kg de lúpulo spent → ~50 L de extrato.
- Aplicação prática: ~10 ml de extrato = +1 IBU em 1 L de cerveja.
Esse resultado garante alta eficiência e padronização, permitindo dosagem simples em diferentes momentos do processo: final de fervura, início da fermentação, filtração ou ajuste de amargor.
Aplicações além da cerveja
Embora pensado para cervejarias, o maior interesse comercial surgiu na indústria sucroalcooleira.
- O extrato atua como agente bioativo, inibindo contaminantes como Acetobacter em fermentações de etanol.
- Um ganho de apenas 1–1,5% de eficiência em tanques de 500 mil litros gera impacto financeiro enorme.
- Outras indústrias também podem se beneficiar: medicamentos, cosméticos e bebidas destiladas.
Aspectos econômicos
- Em 2021, quando o lúpulo estava mais caro, Ceola calculou que o reaproveitamento poderia gerar economia de R$0,20 a R$0,50 por litro de cerveja (dependendo da aplicação, como adicionar amargor em uma lager).
- Para pequenas cervejarias ou caseiros, o ganho financeiro é irrelevante. Mas em escala industrial, o potencial é gigantesco.
Possibilidades para o caseiro
Apesar de economicamente pouco vantajoso, o cervejeiro caseiro pode experimentar:
- Reaproveitar DH em bags para facilitar a separação da levedura.
- Usar o lúpulo spent para criar “água lupulada”, como alguns já testaram com bons resultados sensoriais.
- Trabalhar a conta básica de compensação: ajustar a dosagem considerando a perda de alfa-ácidos e o aumento de umidade.
Porém, o reaproveitamento só é viável uma única vez. Após nova utilização, o lúpulo perde totalmente suas propriedades, adquirindo coloração marrom e aroma desagradável.
Conclusão
O estudo de Duan Ceola sobre reaproveitamento de lúpulo de DH mostra como um resíduo aparente pode ser transformado em um insumo valioso, especialmente quando convertido em extrato de alfa-ácidos isomerizados.
- Para o universo caseiro, a prática é mais curiosidade do que ganho real.
- Para microcervejarias, pode ser uma alternativa pontual, mas com limitações operacionais.
- Para macrocervejarias e outras indústrias, representa uma oportunidade estratégica de economia, padronização e inovação.
O tema é recente e pouco explorado na literatura científica, mas abre espaço para pesquisas futuras que busquem otimizar o uso direto da matéria vegetal sem depender da produção de extratos. Enquanto isso, a aplicação já desperta o interesse de setores além da cerveja, mostrando que o lúpulo tem muito mais a oferecer do que apenas aroma e amargor.