#265 – Como escolher o lúpulo da sua receita

Como Escolher o Lúpulo da Sua Receita de Cerveja?

A escolha do lúpulo é uma das decisões mais críticas na produção de cerveja artesanal. Com uma variedade de opções no mercado, entender as propriedades químicas e sensoriais de cada tipo de lúpulo pode ser a diferença entre uma cerveja bem equilibrada e uma de perfil desajustado.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, exploramos as melhores abordagens para selecionar o lúpulo ideal para sua receita, com base na experiência e pesquisa do químico e cervejeiro Duan Ceola.

Quem é Duan Ceola?

Duan Ceola é químico de formação e mestre em química pura e aplicada, com anos de experiência no estudo dos compostos do lúpulo. Desde 2017, ele se especializa em análises laboratoriais, como cromatografia gasosa, líquida e ressonância magnética, com foco na padronização e controle de qualidade na produção cervejeira.

Além disso, é um dos organizadores da Copa Brasileira de Lúpulos, competição que visa destacar os melhores lúpulos cultivados no Brasil.

A Divisão Tradicional dos Lúpulos: Amargor, Sabor e Aroma

A classificação dos lúpulos em amargor, sabor e aroma é amplamente usada por cervejeiros. No entanto, segundo Ceola, essa divisão tem um forte viés comercial e não se sustenta tecnicamente.

Por quê?

  • Os lúpulos são compostos por ácidos alfa, que são convertidos em iso-ácidos alfa durante a fervura, gerando amargor.
  • Quanto maior o tempo de fervura, maior a conversão e a extração de amargor.
  • Qualquer lúpulo pode ser usado para diferentes propósitos, dependendo do momento da adição e do perfil químico desejado.

Portanto, a escolha do lúpulo deve ser baseada em suas características químicas e não apenas em uma categorização simplista.

O Mercado de Lúpulo: Oferta, Demanda e Impacto na Escolha

A produção de lúpulo é influenciada por três pilares principais:

  1. Área de cultivo mundial: A quantidade total de hectares dedicados à produção de lúpulo.
  2. Rendimento por hectare: A produtividade das plantações, com destaque para a Austrália e regiões dos EUA.
  3. Teor de ácidos alfa: O aumento na concentração de ácidos alfa tem permitido um uso mais eficiente do lúpulo.

Do lado da demanda, três fatores são determinantes:

  1. Volume global de produção de cerveja.
  2. Estocagem das cervejarias, que influencia a compra em maior ou menor volume conforme os preços.
  3. Dosagem de lúpulo por cerveja, que define o impacto do lúpulo na composição final.

A Evolução do Uso do Lúpulo: Lúpulos de Duplo Propósito

Com o crescimento de estilos lupulados como as IPAs, o uso de lúpulo nas receitas aumentou drasticamente. Isso levou à popularização dos lúpulos de duplo propósito, que possuem altos teores de ácido alfa e de óleos essenciais.

Exemplos populares:

  • Citra: Intenso perfil frutado e alta concentração de compostos aromáticos.
  • Mosaic: Notas tropicais e resinosas, versátil para diferentes momentos da brassagem.
  • Galaxy: Alta concentração de óleos essenciais e ácido alfa, ideal para dry hopping.

Formatos de Lúpulo: Flor, Pellet e Cryo Hops

A forma como o lúpulo é apresentado impacta diretamente sua eficiência e utilização:

  • Lúpulo em flor: Preserva compostos naturais, mas tem baixa solubilidade e absorve muito líquido.
  • Lúpulo em pellet: O mais comum, otimiza armazenamento e reduz perdas.
  • Cryo Hops (Lupulin Powder): Alta concentração de lupulina, ideal para dry hopping, mas tem custo elevado.

Compostos Sobreviventes (Survivables Compounds)

A seleção de lúpulos modernos também deve levar em conta a resistência dos compostos aromáticos ao calor e à volatilização. Os principais são:

  1. Hidrocarbonetos oxidados: Contribuem para maior retenção aromática.
  2. Ésteres derivados do lúpulo: Intensificam notas frutadas.
  3. Tíois: Responsáveis por aromas tropicais e cítricos.

Dry Hopping: Momento Certo para Extração de Aroma

A adicição de lúpulo no momento certo pode maximizar o aroma e a estabilidade sensorial:

  • Whirlpool hopping: Melhor retenção de compostos sobreviventes.
  • Dry hopping durante a fermentação ativa: Estimula biotransformação.
  • Dry hopping após atenuação: Maximiza extração de óleos essenciais sem perdas.

Conclusão: Como Escolher o Melhor Lúpulo para Sua Receita?

A seleção do lúpulo vai muito além de classificações tradicionais. O segredo está em entender:

  • Perfil químico e sensorial do lúpulo.
  • Momento ideal de adição para maximizar aroma e amargor.
  • Combinações estratégicas para criar perfis complexos e equilibrados.

Testar diferentes combinações e momentos de adição é essencial para evoluir como cervejeiro. Agora, conte para nós: qual sua combinação de lúpulos favorita? Compartilhe nos comentários!

#264 – A Hora Ácida: Produzindo uma cerveja de fermentação mista

A Hora Ácida: Explorando o Mundo das Cervejas Ácidas e da Fermentação Mista

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, damos boas vindas ao primeiro episódio de A Hora Ácida, um novo programa mensal dedicado às cervejas ácidas e à fermentação mista. Esse projeto, parte do Brassagem Forte, busca aprofundar temas relacionados às cervejas complexas e selvagens. Para inaugurar essa série, recebemos Diego Tainha, cofundador da Cozalinda e grande entusiasta do mundo das cervejas ácidas.

O que é uma fermentação mista?

A fermentação mista é um processo que envolve vários microrganismos, como Saccharomyces, Brettanomyces, Lactobacillus e Pediococcus, criando perfis sensoriais complexos. De acordo com o BJCP (Beer Judge Certification Program), a categoria 28D – Mixed Fermentation Sour Beer descreve cervejas fermentadas com combinações desses microrganismos, podendo ou não envolver envelhecimento em madeira.

Já a Brewers Association denomina esse estilo como Mixed Culture Brett Beer, enfatizando a presença de ésteres frutados e acidez derivada da fermentação com Brettanomyces e bactérias láticas. O Milk The Funk, uma das principais fontes sobre o tema, reforça que a fermentação mista combina diversos microrganismos para desenvolver sabores complexos e evolutivos.

Tipos de fermentação mista

Os dois principais estilos de fermentação mista são:

  1. Com bactérias ácido láticas (Lactobacillus e/ou Pediococcus) – Cervejas com maior acidez, pH entre 3.0 e 3.7.
  2. Sem bactérias ácido láticas – Utiliza apenas Saccharomyces e Brettanomyces, resultando em menor acidez e perfis mais frutados ou “funky”.

O papel da acidez e a influência da madeira

A acidez inesperada em algumas cervejas pode indicar contaminação por Acetobacter, uma bactéria que pode gerar ácido acético indesejado. O uso de madeira também é um fator relevante, pois pode atuar tanto como recipiente fermentativo quanto como meio de agregação de novas leveduras.

Fermentação mista: Três pilares essenciais

  1. Saccharomyces – Principal responsável pela fermentação alcoólica.
  2. Brettanomyces – Levedura selvagem que adiciona notas frutadas, fenólicas e “funky”.
  3. Bactérias LáticasLactobacillus e Pediococcus, que criam acidez lática e complexidade.

No Brasil, a Levteck tem se destacado no desenvolvimento de leveduras adaptadas ao nosso clima, expandindo as possibilidades de fermentação mista no país.

Evolução e uso de leveduras híbridas

Novas leveduras como Lachancea permitem a fermentação ácida e alcoólica simultânea, reduzindo a necessidade de processos como kettle sour.

Ingredientes e processo para fermentação mista

O sucesso da fermentação mista depende de um mosto equilibrado. Na Cozalinda, a base de maltes inclui:

  • 88% Malte Pilsen
  • 2% Tapioca
  • 5% Trigo
  • 5% Aveia

Essa composição favorece a ação de Brettanomyces, garantindo um perfil sensorial mais complexo.

Controle de temperatura e influência do ambiente

Ao contrário da fermentação tradicional, a fermentação mista pode se beneficiar de variações térmicas. Em climas quentes como o do Brasil, fermentações naturais a 35-40°C são comuns e podem gerar perfis aromáticos diferenciados.

Seleção do fermentador

O fermentador impacta diretamente a fermentação:

  • Inox – Fermentação mais limpa.
  • Vidro – Permite contato mínimo com oxigênio.
  • Madeira – Favorece a evolução da cerveja.
  • Plástico – Alternativa acessível para cervejeiros caseiros.

Tempo de maturação e envase

A fermentação mista exige paciência, podendo levar de 6 meses a 2 anos para atingir seu auge. O envase deve ser feito com garrafas resistentes (à prova de alta pressão), garantindo segurança caso haja refermentação.

Considerações finais

A fermentação mista é uma arte que recompensa a paciência e a experimentação. Cada lote é único, e o aprendizado contínuo é essencial para aperfeiçoar técnicas e sabores. Se você deseja se aprofundar no tema, explore novas leveduras, ajuste sua receita e descubra o prazer de criar cervejas verdadeiramente complexas.Seja bem-vindo à Hora Ácida! Acompanhe essa jornada pelo universo das cervejas ácidas e da fermentação mista.

#263 – Água: O Básico

A Importância da água na produção de cerveja

A água é um dos ingredientes mais essenciais na produção de cerveja, mas muitas vezes é negligenciada por cervejeiros caseiros e até mesmo por algumas cervejarias. Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, e juntamente com o Gabriela Lando, a Química Cervejeira, abordaremos a relevância da água no processo cervejeiro, seus componentes químicos, impacto histórico e as práticas recomendadas para um melhor controle desse recurso fundamental.

Uma série especial sobre água cervejeira

Este é o início de uma série especial dedicada exclusivamente à água. Ao longo de quatro episódios, discutiremos diferentes aspectos desse tema:

  1. Introdução à Água Cervejeira – Visão geral sobre a água e sua influência na produção de cerveja.
  2. Química da Água – Um aprofundamento em íons, pH e alcalinidade.
  3. Perfis Históricos de Água – Como ajustar a água para replicar estilos clássicos de cerveja.
  4. Sessão de Perguntas e Respostas – Um espaço para esclarecer todas as dúvidas.

Para dar início à discussão, contamos com a participação de Gabriela Lando, também conhecida como “A Química Cervejeira”. Gabriela é ex-editora da Krater e foi responsável pela tradução do livro “Água” de John Palmer e Colin Kaminski. Além disso, atua como consultora em água cervejeira, ministra cursos e é juíza BJCP.

Por que a água é subestimada na produção de cerveja?

Apesar de compor entre 90% e 95% da cerveja, a água frequentemente fica em segundo plano quando comparada a outros ingredientes como malte, lúpulo e levedura. Os cervejeiros caseiros costumam se preocupar mais com controle de temperatura, armazenamento de insumos e até mesmo técnicas de moagem de malte, mas raramente dão a devida atenção à qualidade e composição da água utilizada.

Diferentemente de outros ingredientes, que podem ser substituídos ou ajustados (como o uso de outros grãos no lugar do malte ou ervas substituindo o lúpulo), a água é insubstituível. Não há como fazer cerveja sem água, e sua composição química pode afetar significativamente o sabor e a qualidade final da bebida.

O impacto ambiental da produção decCerveja

Nos últimos anos, a discussão sobre o impacto ambiental da produção de cerveja tem ganhado destaque. Um dos principais indicadores desse impacto é a pegada hídrica, que mede a quantidade de água utilizada em todas as etapas de produção. Estudos indicam que a produção de um único litro de cerveja pode consumir até 300 litros de água, considerando desde o cultivo da cevada até a produção final.

Estimativas mostram que 90% do consumo total de água na produção de cerveja vem da agricultura, demonstrando a importância do manejo eficiente da água desde a lavoura até a produção final. No passado, dentro das cervejarias, o consumo era em torno de 5 a 6 litros de água para cada litro de cerveja produzida. Com avanços tecnológicos, esse número foi reduzido. Empresas como Ambev e Asahi conseguiram otimizar seus processos, reduzindo a relação para 2,64 e 2,82 litros de água por litro de cerveja, respectivamente.

O uso da água na produção cervejeira

A água é usada não apenas na produção direta da cerveja, mas também em diversas outras etapas do processo industrial, como limpeza, resfriamento e caldeiras. Muitas dessas utilizações não são contabilizadas corretamente, resultando em desperdício. Algumas cervejarias estão implementando tecnologias para reutilizar água, reduzindo o impacto ambiental.

Nos Estados Unidos, algumas cervejarias como a Treehouse enfrentaram problemas legais por descarte inadequado de efluentes. Para solucionar isso, adotaram sistemas modernos de tratamento, gerando biogás e reutilizando a água tratada para outros processos. No Brasil, iniciativas como a da Masterpiece, que utiliza água da chuva e trata seus efluentes, são exemplos a serem seguidos.

O que os cervejeiros caseiros podem fazer?

Cervejeiros caseiros também podem adotar medidas para reduzir o desperdício de água, como reutilizar a água do resfriamento e evitar despejo de produtos químicos agressivos. Neutralizar detergentes alcalinos antes de despejá-los no esgoto e separar sólidos orgânicos para descarte adequado são boas práticas para minimizar impactos ambientais.

Tipos de água e suas características

A água não é um elemento uniforme; sua composição pode variar de acordo com sua origem e interação com o meio ambiente. Podemos classificar a água em três principais categorias:

  1. Água de Precipitação – Proveniente de chuva e neve, essa água passa por um ciclo de evaporação e condensação. Durante sua precipitação, pode absorver poluentes atmosféricos, como CO2 e enxofre, levando à formação de chuvas ácidas em regiões industrializadas.
  2. Água de Superfície – Inclui rios, lagos e reservatórios. Essa água está mais sujeita à contaminação por matéria orgânica e poluentes agrícolas e industriais. Em geral, tem um baixo teor de minerais dissolvidos devido à sua interação limitada com rochas e solos.
  3. Água Subterrânea – Captada de poços e aquíferos, essa água passa por um processo natural de filtração pelo solo, reduzindo sua carga orgânica, mas aumentando a concentração de minerais dissolvidos. Regiões com formações rochosas específicas podem fornecer águas com altos teores de cálcio, magnésio e outros elementos.

A influência da composição da água na cerveja

A composição mineral da água tem um impacto direto no sabor e na qualidade da cerveja. Por exemplo:

  • Água mole, com baixo teor mineral, é ideal para estilos como Pilsner.
  • Água dura, rica em minerais como cálcio e magnésio, é apropriada para estilos como Stout e Porter.

No Brasil, a maior parte da água utilizada para abastecimento é de superfície, captada de lagos e rios. Algumas cidades estão migrando para a utilização de poços artesianos, o que pode modificar a composição da água ao longo do tempo. Diferentes poços dentro da mesma região podem ter variações significativas na composição mineral da água, afetando tanto o sabor da cerveja quanto processos como filtração e fervura.

Para avaliar a composição da água, cervejarias e cervejeiros caseiros podem recorrer a análises laboratoriais ou a métodos simples, como ferver a água e observar a formação de sedimentos minerais.

Composição química da água

A composição química da água tem um impacto direto na qualidade da cerveja. Um dos elementos cruciais é a presença de metais e minerais que podem alterar seu sabor e estabilidade. O manganês, por exemplo, pode favorecer a oxidação da cerveja, afetando sua cor e sabor.

Para os cervejeiros, um dos maiores desafios é a variabilidade da água ao longo do tempo, principalmente em regiões onde a fonte de captação muda frequentemente. Isso pode levar a inconsistências nas receitas se não houver um controle rigoroso da composição mineral.

A estrutura molecular da água

Quimicamente, a água é composta por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). No entanto, sua geometria molecular tem propriedades anômalas que impactam diretamente suas funções no meio cervejeiro.

A molécula de água possui um formato angular com um ângulo de 104,5° entre os hidrogênios. Essa pequena diferença estrutural, em comparação com outras moléculas similares, resulta em características únicas, como:

  • Expansão ao congelar – O gelo tem menor densidade que a água líquida, permitindo que ele flutue.
  • Alta capacidade de dissolução – A água pode dissolver uma grande variedade de substâncias, tornando-se um solvente essencial no processo cervejeiro.

Elétrons, átomos e íons na água

A água não é quimicamente inerte. Ela interage constantemente com outras substâncias, formando íons positivos e negativos. Os íons são criados quando uma molécula perde ou ganha elétrons:

  • Cátions (+) – São átomos que perderam elétrons, como o cálcio (Ca²⁺) e o magnésio (Mg²⁺), fundamentais para a dureza da água.
  • Ânions (-) – São átomos que ganharam elétrons, como o sulfato (SO₄²⁻) e o cloreto (Cl⁻), que influenciam o perfil sensorial da cerveja.

No meio cervejeiro, o conhecimento desses íons é essencial para o ajuste da água conforme o estilo desejado. O balanço entre sulfatos e cloretos, por exemplo, pode impactar na percepção de amargor ou dulçor da cerveja.

Considerações finais

Este episódio serviu como uma introdução ao complexo mundo da água na cerveja. Nos próximos capítulos, abordaremos a influência específica dos principais íons cervejeiros, como manipulá-los e ajustá-los para melhorar a qualidade da sua cerveja. Fique ligado nos próximos episódios para aprofundar ainda mais seus conhecimentos sobre o tema!

#262 – Brassando com Estilo: Belgian Single

Belgian Single: História, Produção e os Desafios da Classificação no BJCP

A Belgian Single é um estilo de cerveja belga tradicionalmente produzido em monastérios, mas que ganhou definição moderna apenas recentemente. Popular entre cervejeiros caseiros e comerciais, essa cerveja combina leveza, alta atenuação e um amargor distinto, tornando-se uma escolha versátil para quem aprecia as características das trapistas sem um alto teor alcoólico.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, e juntamente com o Jamal Awadallak, vamos explorar a história, a produção e os desafios da classificação da Belgian Single no BJCP, além de dicas para replicá-la com autenticidade.


O que é a Belgian Single?

A Belgian Single é um estilo de cerveja de baixo teor alcoólico, geralmente entre 4,8% e 6% ABV, sendo uma versão mais leve das Belgian Tripels e Blondes. Historicamente, as cervejas de mosteiros e abadias belgas possuíam variantes mais fracas destinadas ao consumo dos monges. No entanto, a primeira referência moderna desse estilo surgiu apenas em 1999, com a Westvleteren Blonde.

Uma característica interessante da cultura cervejeira belga é que, ao contrário do que ocorre em outros países, os produtores não se preocupam tanto com a definição de estilos. Muitas cervejas belgas são nomeadas com base na sua densidade original (Plato), cor ou simplesmente recebem um nome próprio, sem uma categorização formal.


Perfil Sensorial da Belgian Single

A Belgian Single se destaca pelo equilíbrio entre a fermentação limpa e o uso de lúpulos nobres, mantendo alta drinkability. Confira as principais características:

Aparência: Amarelo-clara a dourado-médio, geralmente límpida, mas pode apresentar turbidez devido à refermentação na garrafa.
Aroma e Sabor: Frutado e condimentado na medida certa, com notas de pão, mel e biscoito. O lúpulo é perceptível, proporcionando amargor médio a alto.
Atenuação: Elevada, acima de 85%, resultando em um final seco e refrescante.
Carbonatação: Alta (2,5 a 3,0 volumes de CO₂), conferindo uma textura efervescente e leveza.

O BJCP (Beer Judge Certification Program) classifica a Belgian Single como uma interpretação belga de uma German Pils, enfatizando a alta atenuação e o caráter lupulado. No entanto, essa comparação pode ser exagerada, visto que a complexidade da levedura belga adiciona uma camada extra de sabor e aroma ao estilo.


Desafios na Classificação da Belgian Single

Apesar de seu perfil bem definido, a Belgian Single enfrenta desafios na sua categorização oficial. O BJCP descreve o estilo como fortemente condimentado e fenólico, mas essa definição pode não representar com precisão os exemplares mais autênticos encontrados na Bélgica.

Condimentado e Fenólicos: Brasil vs. Bélgica

Os exemplares produzidos na Bélgica são, na maioria das vezes, menos condimentados e fenólicos do que aqueles feitos no Brasil ou nos Estados Unidos. Isso acontece porque muitas receitas fora da Bélgica acabam exagerando nos fenóis e no dulçor residual, resultando em cervejas menos atenuadas e menos equilibradas.

Impacto do BJCP nos Concursos de Cerveja

Para quem deseja submeter uma Belgian Single em concursos de cerveja, é essencial adaptar a receita às diretrizes do BJCP. Algumas estratégias para obter pontuações mais altas incluem:

Aumentar o amargor dentro do limite superior do estilo.
Reforçar o caráter lupulado, sem perder o equilíbrio com a levedura.
Utilizar uma levedura belga clássica, evitando exageros nos fenóis.
Garantir alta atenuação, para evitar dulçor residual excessivo.


Como Produzir uma Belgian Single Autêntica?

Agora que entendemos o estilo, vamos às melhores práticas para produção da Belgian Single, seja em cervejarias comerciais ou em cervejeiros caseiros.

1️ Ingredientes Principais

Malte: A base da Belgian Single é Malte Pilsen belga, que tem um dulçor residual sutil em comparação com maltes Pilsen alemães ou brasileiros.
Lúpulos: Tradicionalmente, os belgas utilizam Saaz, Styrian Golding e Hallertau Mittelfrüh, que oferecem um amargor limpo e elegante.
Açúcar: Não é essencial, mas pode ser usado (até 5%) para aumentar a atenuação.
Levedura: As leveduras belgas são essenciais para o perfil do estilo. Algumas opções recomendadas incluem:


2️ Fermentação e Controle de Temperatura

O processo de fermentação belga segue um método chamado “Free Rise”, que consiste em inocular a levedura em temperatura mais baixa (18-20°C) e permitir que ela suba naturalmente até 24-29°C.

Comparação de fermentação entre mosteiros belgas:

  • Westvleteren: Inóculo a 20°C, sobe até 29°C
  • St. Bernardus: Inóculo a 20°C, sobe até 24°C
  • Westmalle: Inóculo a 18°C, sobe apenas até 20°C
    Achel: Inóculo a 17°C, sobe até 23°C

Essa técnica permite um controle refinado da produção de ésteres e fenóis, garantindo uma drinkability superior.


3️ Ajuste da Água

A água utilizada na produção da Belgian Single deve reforçar a maciez, sem exagerar na secura. Para isso, recomenda-se:

Cloreto (~100 ppm): Melhora a sensação de maciez.
Sulfato (moderado): Evitar excessos para não acentuar secura extrema.
Cálcio: Auxilia na clarificação e estabilidade da fermentação.


4️ Carbonatação e Envase

A Belgian Single exige uma carbonatação elevada (2,5 a 3,0 volumes de CO₂), mas isso pode gerar desafios no envase.

Métodos de Carbonatação:
1️⃣ Priming na garrafa (refermentação): Método belga tradicional, mas exige garrafas reforçadas.
2️⃣ Carbonatação forçada no Post-Mix: Alternativa moderna e segura, evitando riscos de explosão em garrafas frágeis.


Conclusão: O Equilíbrio Perfeito na Belgian Single

A Belgian Single é um estilo fascinante, que equilibra amargor, atenuação e complexidade sensorial. Embora sua classificação pelo BJCP tenha algumas imprecisões, entender a produção autêntica permite criar versões mais fiéis ao estilo original.

Dicas finais para acertar na Belgian Single:
✔ Mantenha a fermentação controlada com Free Rise.
✔ Use lúpulos nobres para amargor limpo e equilibrado.
Evite exageros nos fenóis e no dulçor residual.
✔ Ajuste a água para garantir maciez e equilíbrio.

Se você deseja aprofundar seus conhecimentos, o livro “Brew Like a Monk” continua sendo uma referência essencial para entender as técnicas belgas.

Agora é hora de brassar a sua própria Belgian Single!

#257 – Comentários honestos: Trapista Vleteren Ale

De Vleteren direto para nossos fermentadores

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company e da Levteck, damos continuidade ao novo formato e vamos entender como essa levedura vinda da Bélgica aterrisou no Brasil e de quebra levou o coração do Henrique. Vamos falar sobre a Trapista Vleteren Ale da Levteck.

Viu que temos um Apoia.se? Se você em algum momento pensou em ajudar o programa, essa é a chance!



#256 – Hype: Japanese Rice Lager

Da terra do sol nascente para hype norte-americano.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company e da Levteck, damos continuidade a nossa tentativa de entender proto estilos e dessa vez olhando para o continente norte-americano e olhando para um estilo feito para matar a sede. Vamos falar de Japanese Rice Lager!

Viu que temos um Apoia.se? Se você em algum momento pensou em ajudar o programa, essa é a chance!