#288 – Brassando com Estilo: English Barleywine

Brassando com Estillo - Barley Wine

A English Barleywine não é vinho, não é chope de vinho e certamente não é para os fracos de coração. Neste episódio do Brassagem Forte, Henrique Boaventura recebe Beto Tempel, cervejeiro e fundador da Cervejaria Trilha, para um mergulho profundo no estilo English Barleywine — desde suas origens históricas até técnicas modernas de produção. O resultado? Um verdadeiro tratado técnico sobre um dos estilos mais nobres e complexos da escola inglesa.

Não perca mais esse papo de altíssimo nível, que conta com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis.

Origem e evolução do estilo

Beto e Henrique iniciam contextualizando a English Barleywine como herdeira direta das tradicionais Burton Ales. Essas cervejas inglesas do século XIX eram potentes, envelhecidas e muito alcoólicas, o que as aproximava do status de “vinho de cevada”. A denominação “Barleywine” surgiu por volta de 1872, e, ao longo do século XX, o estilo foi se consolidando com menos densidade, mas mantendo o caráter robusto.

Com o tempo, a Barleywine passou a ser confundida com outras Strong Ales, como as Old Ales, e o BJCP decidiu separá-las com base principalmente no envelhecimento e características sensoriais derivadas.

Perfil sensorial segundo o BJCP (17D)

Aroma

  • Maltado, rico e com notas de caramelo (em versões escuras) e toffee (nas claras).
  • Frutado moderado a forte, com notas de frutas secas e escuras.
  • Lúpulo floral, terroso ou de marmelada, de baixo a assertivo.
  • Álcool perceptível, suave, nunca agressivo.

Aparência

  • De âmbar dourado a marrom escuro, nunca preta.
  • Colarinho quase branco, baixo a moderado, com baixa retenção.
  • Pode apresentar “lágrimas” pela viscosidade.

Sabor

  • Dulçor médio a alto, com complexidade de malte (pão, biscoito, frutas secas).
  • Amargor entre 35 e 70 IBU, equilibrando o dulçor.
  • Final de médio-seco a médio-doce, com possível presença de notas vínicas ou oxidativas com o envelhecimento.

Sensação na boca

  • Corpo alto, textura aveludada e aquecimento alcoólico suave.
  • Carbonatação baixa a moderada.

Produção: filosofia, malteação e envelhecimento

Beto é enfático: Barleywine deve ser complexa. Ele opta por grists variados, sempre incluindo maltes caramelos (25, 50, 75 e até 400), maltes aromáticos, como biscuit, e castanhos, e o indispensável malte Melanoidina — essencial para criar precursores de envelhecimento como o furfural.

Envelhecimento

Na Trilha, nenhuma Barleywine é lançada jovem. O período de guarda varia entre 10 a 24 meses. Para Beto, o tempo é o grande diferencial que confere profundidade e sofisticação ao estilo.

A escolha dos lúpulos: foco no amargor, não no aroma

O lúpulo, para Beto, serve como contraponto ao dulçor. Ele privilegia lúpulos ingleses clássicos como East Kent Goldings e Fuggles, sempre em adições iniciais para amargor. Um cuidado técnico relevante é evitar variedades com altos níveis de beta-ácidos, que se preservam com o tempo e podem gerar sabores indesejáveis.

Levedura e fermentação

Levedura

A única levedura que Beto utiliza para suas English Barleywines é a S-04, pela boa esterificação e performance em envelhecimento. Ele destaca a importância do pitch rate elevado (1.2 a 1.5 milhões de células/ml/°P) para garantir uma fermentação saudável.

Fermentação

  • Temperatura de fermentação: 18 °C para reduzir álcoois superiores.
  • Fermentação sob leve pressão (~0,5 bar) com válvula de alívio.
  • Oxigenação: 3 L/min durante o pitching, visando uma longa fase de adaptação.

Tratamento da água

O perfil de água usado na Trilha para Barleywines privilegia o maltado:

  • Cálcio: ~100 ppm
  • Magnésio: ~10–12 ppm
  • Sódio: ~80 ppm (levanta dulçor, sem salgar)
  • Cloreto: ~240–250 ppm
  • Sulfato: metade do cloreto (relação 2:1)

Mosturação e fervura

Temperaturas

  • Beta-glucanase: 3 min a 45 °C (melhor filtração)
  • Sacarificação:
    • 45 min a 68 °C
    • 20 min a 72 °C
  • Mash-out e fervura de 90 a 120 minutos

Objetivo

Preservar dextrinas e alcançar um mosto com até 31°P (OG: 1.134), resultando em cervejas com FG em torno de 1.044 (11°P) e teor alcoólico elevado, mas equilibrado com amargor.

Receita base: Barleywine “Bunker” da Trilha

Grain bill
  • 59% Pale Ale
  • 6% Caramel Aromatic
  • 10% Melanoidina
  • 1% Cristal 400
  • 11% Cristal 25
  • 11% Cristal 50
  • Aromáticos (biscuit, barley loaf) em quantidades variáveis
Lúpulo
  • East Kent Goldings (~40 IBUs)
Fermentação
  • Levedura S-04
  • Pitching rate: 1.2–1.5 mi células/ml/°P
  • Temperatura: 18 °C
  • Fermentação sob leve pressão
Água
  • Perfil maltado (cloreto > sulfato)
Densidades
  • OG: 1.134
  • FG: ~1.044
  • ABV estimado: 11–12%

Experimentações e inovação com enzimas

Nos últimos anos, Beto vem testando receitas com apenas 20% de malte base, complementando a conversão enzimática com enzimas exógenas. Isso permitiu usar grandes quantidades de maltes especiais e cristal sem comprometer a fermentação — uma abordagem ousada que desafia os limites do estilo, mas com resultados sensoriais incríveis.

Conclusão

English Barleywine é, nas palavras de Beto, “talvez o estilo mais complexo que temos fora do universo das cervejas ácidas”. Produzi-la exige técnica, paciência, bom senso e uma pitada de ousadia. Entre escolas clássicas e novas possibilidades, o que se mantém é a busca pela profundidade de sabor, elegância no envelhecimento e respeito pelo tempo.

Para quem quiser mergulhar ainda mais nesse universo, a Trilha oferece cursos especializados em produção de cervejas extremas — uma extensão natural de quem vive e respira inovação com os pés firmes na tradição.

#283 – Brassando com Estilo: American Porter

American Porter

Como fazer uma American Porter: história, receita e guia completo do estilo

Neste episódio do Brassagem Forte, Henrique Boaventura recebeu Ingrid Matos para mergulhar na história e nos detalhes técnicos da American Porter, um estilo de cerveja escura que une a tradição britânica e a ousadia do lúpulo americano.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, você vai descobrir como fazer uma American Porter de forma precisa, com todos os detalhes discutidos por capacitadíssimos especialistas!

História da American Porter: Origens e Renascimento

A gênese e os blends históricos

A Porter nasceu na Inglaterra do século XVIII como a cerveja do trabalhador, popularizada pelos blends em pubs. Misturas de Mild Ale, Old Ale e Pale Ale criaram perfis únicos que chegaram até nós, mesmo que a gênese exata do estilo permaneça incerta.

O renascimento do estilo em versão americana

Em 1984, o renascimento da Porter na Inglaterra inspirou o surgimento das American Porters, marcadas por aroma e amargor de lúpulo em contraste com maltes torrados. Exemplos clássicos incluem Anchor Porter, Bells Porter e Deschutes Black Butte.

A American Porter segundo o BJCP

Impressão geral e perfil sensorial

  • Cerveja escura, maltada, com amargor médio a alto.
  • Aroma de chocolate, café leve, notas de caramelo ou toffee e presença opcional de ésteres frutados.
  • Aparência marrom escuro a preto, reflexos rubi, colarinho castanho.
  • Sabor equilibrado entre malte torrado e amargor, com final seco ou meio doce.

Parâmetros técnicos

  • OG: 1.050 a 1.070
  • FG: 1.012 a 1.018
  • Amargor: 25 a 50 IBU
  • Cor: 22 a 40 SRM
  • ABV: 4,8% a 6,5%

Maltes e construção do corpo

Maltes base, especiais e torrados

A base da receita inclui:

  • Malte Pilsen Agrária (88-89%)
  • Melanoidin (4-6%) para dulçor e cor rubi
  • Carafa 3 Special (~3%) para cor intensa e café
  • Malte Chocolate ou Carafa 2/Kestel para notas de chocolate.

Maltes caramelo até 10% podem ser usados para dulçor e frutas escuras, mas sem exageros para manter o equilíbrio.

Lúpulos na American Porter: contraste e equilíbrio

Escolha e adições de lúpulo

  • Lúpulos clássicos: Northern Brewer, Cascade, Goldings.
  • Ingrid recomenda Amarillo para notas de laranja que combinam com chocolate dos maltes.
  • Evite lúpulos muito intensos como Nelson Sauvin para não desequilibrar.
  • Amargor no início da fervura e aroma no whirlpool, sem exageros no dry hopping.

Fermentação e levedura para American Porter

Levedura ideal e perfil de fermentação

  • London Ale (Levitec) como levedura preferida por Ingrid: esterificação rica em frutas vermelhas.

Fermentação entre 18-20°C, garantindo complexidade sensorial e equilíbrio.

Ajustes de água e carbonatação

Perfil de água recomendado

  • Água levemente dura (50-100 ppm de cálcio) para ressaltar o malte.

Para quem não controla pH, adição dos maltes torrados no final da mostura ajuda a manter o equilíbrio.

Carbonatação no estilo

Carbonatação média a média-alta (2,5-2,7 volumes) para realçar aromas e manter o perfil clássico da American Porter.

Receita completa de American Porter

Ingredientes

  • Malte Pilsen Agrária (88-89%)
  • Melanoidin (~4-6%)
  • Carafa 3 Special (~3%)
  • Malte Chocolate ou Carafa 2/Kestel
  • Lúpulo amargor: Columbus, Magnum ou Galena
  • Lúpulo aroma: Amarillo no whirlpool (1 g/L)
  • Levedura: London Ale (Levitec), 18-20 °C
  • OG: 1.065-1.068 | FG: 1.008-1.010
  • IBU: 38-40 | ABV: 6-6,5%

Conclusão

A American Porter é um estilo que equilibra tradição e inovação, destacando-se pelo contraste entre malte torrado e lúpulo americano. Produzir essa cerveja exige atenção aos detalhes, honestidade com o estilo e paixão pela cerveja artesanal. Consuma, valorize e compartilhe — assim mantemos viva a cultura cervejeira!

#278 – Brassando com Estilo: Rye IPA

Brassando com Estilo - Rye IPA

Rye IPA: guia completo para produzir a India Pale Ale com centeio

O que é a Rye IPA?

As specialty IPAs surgem como uma ramificação das tradicionais American IPAs, criadas para destacar características específicas que justificam sua separação. A Rye IPA (ou IPA com centeio) é uma dessas variações modernas, trazendo um diferencial sensorial interessante: o uso de malte de centeio.

Segundo o BJCP (Beer Judge Certification Program), a Rye IPA é essencialmente uma American IPA com adição de malte de centeio, o que confere um sabor condimentado, lembrando pão apimentado, com corpo aveludado e cremoso. Além disso, o final costuma ser mais seco, com notas de cereais — tudo isso, claro, dependendo da composição da receita.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, na companhia do químico e cervejeiro Duan Ceola, exploramos os detalhes e as melhores abordagens para a produção desse instigante estilo contemporâneo.

Perfil Sensorial da Rye IPA

Aroma

O aroma predominante segue o padrão das American IPAs, com lúpulos intensos trazendo notas de frutas tropicais, frutas de caroço, cítricos, resina, pinho e até frutas vermelhas ou melão. Em segundo plano, há um leve toque apimentado do malte de centeio, complementado por um perfil de fermentação limpo, com ésteres e álcool leves e opcionais.

Aparência

A coloração varia entre dourado médio e âmbar claro. A turbidez leve é aceitável, especialmente pela presença do centeio. A espuma costuma ser de cor branca, com formação e retenção boas.

Sabor

O lúpulo é o protagonista, com intensidade de médio a muito alto. O suporte maltado é limpo, de baixo a médio-baixo, podendo trazer leves notas de caramelo e tostado. O centeio contribui com um sabor picante e apimentado perceptível, o que reforça a secura no final do gole.

Sensação na boca

O corpo varia de médio-leve a médio, com textura macia e até levemente cremosa. A carbonatação tende a ser média ou média-alta, sem aspereza. Um leve aquecimento alcoólico é aceitável.

Comparação com outras IPAs

A Rye IPA é considerada uma variação da American IPA e deve ter o caráter de centeio perceptível. Caso contrário, deve ser inscrita como uma 21A – American IPA. Sensorialmente, é uma cerveja mais seca, picante e cremosa do que a maioria das American IPAs, com um final persistente e condimentado.

Parâmetros Técnicos da Rye IPA

  • OG (Densidade Inicial): 1.056 – 1.075
  • FG (Densidade Final): 1.008 – 1.014
  • IBU: 50 – 75
  • SRM: 6 – 14
  • ABV: 5,5 – 8%
  • Exemplos comerciais: Founders Red Rye IPA e Sierra Nevada Ruthless Rye

Maltes e o papel do centeio

Existem várias formas de centeio que podem ser usadas em uma Rye IPA:

  • Malte de centeio: contém enzimas que ajudam na conversão de amido, traz dulçor, picância, corpo e viscosidade ao mosto.
  • Centeio em flocos ou grão cru: não tem enzimas, mas contribui para retenção de espuma e sensação sedosa, embora possa complicar a filtração.

É essencial escolher insumos de qualidade, evitando centeios enriquecidos com metais (como os vendidos para alimentação humana), que podem oxidar a cerveja e deixá-la escura e opaca.

Criando sua receita de Rye IPA

Proporções sugeridas

  • 15% Malte de Centeio
  • 80% Malte Pilsen ou Pale Ale
  • 5% Malte Biscuit (para adicionar leve toque torrado, semelhante ao Maris Otter)

Malte Biscuit agrega sabor sutil e combina bem com lúpulos. Já o malte Viena pode acelerar a oxidação sensorial da cerveja. Maltes caramelos/crystal devem ser usados com moderação (até 2%).

Estratégias de mostura e uso de enzimas

O centeio contém alto teor de beta-glucanos, o que pode tornar a mostura complexa, especialmente em BIAB. Recomenda-se:

  • Parada protéica entre 45–55 °C por 10 a 15 minutos (uso acima de 15%)
  • Uso de enzimas como beta-glucanase ou amilase
  • Conhecimento do equipamento para evitar perda de retenção de espuma

Lúpulos para Rye IPA: modernos e clássicos

Na fervura
  • Citra, Columbus ou Magnum
  • 1 g/L a 30 minutos do fim da fervura
Whirlpool
  • Aida Rosetti CryoHops: 5 g/L a 40–60 °C por 20 minutos
Dry Hopping
  • 1ª adição: 4 g/L de Citra
  • 2ª adição: 3 g/L de Galaxy, Riwaka, Motueka
Lúpulos clássicos que combinam

Centennial, Cascade, Columbus e Chinook funcionam muito bem com o centeio, trazendo perfil “old school” resinoso e herbáceo.

Escolha da Levedura

Opções com perfil neutro:

  • US-05 – confiável
  • K-97 – subestimada, ótima floculação e interação com lúpulos

Fermentação ideal entre 16 °C e 17 °C.

Perfil de Água e pH

  • 100 ppm Sulfato (CaSO₄)
  • 50 ppm Cloreto (CaCl₂)
  • 50 ppm Cloreto (NaCl)
  • pH de mostura: 5.2 a 5.4
  • Baixa alcalinidade favorece leve turbidez desejada

Carbonatação Ideal

  • Entre 2.5 e 2.7 volumes de CO₂
  • Abaixo disso: sensação empapucenta
  • Acima disso: frisante e agressiva

Receita Modelo

Grãos:
  • 80% Malte Pilsen
  • 5% Malte Biscuit
  • 15% Malte de Centeio
Água:
  • 100 ppm Sulfato (CaSO₄)
  • 50 ppm Cloreto (CaCl₂)
  • 50 ppm Cloreto (NaCl)
Lúpulos:
  • Citra (1 g/L – 30 min)
  • Aida Rosetti CryoHops (5 g/L – Whirlpool a 40–60 °C)
  • Dry Hopping: 4 g/L Citra + 3 g/L Galaxy
Levedura:
  • K-97 (pitching 0,75, 17 °C)
Mostura:
  • Parada protéica: 15 min a ~53 °C
  • 40 min a 63 °C
  • 15 min a 72 °C
  • Mashout opcional
pH:
  • Mostura: 5.2
  • Fervura: 5.15–5.2
  • Mosto final: ~5.1

Conclusão: Uma IPA para quem busca mais complexidade

A Rye IPA é uma expressão criativa e ousada dentro do universo das IPAs. Sua construção exige atenção a detalhes técnicos — do uso de enzimas à seleção de lúpulos, do controle do pH à escolha da levedura. O centeio, quando bem trabalhado, entrega complexidade, corpo e uma picância que desafiam o paladar e convidam à experimentação.

Embora pouco representada em concursos e ainda rara no mercado, a Rye IPA oferece grande potencial sensorial e espaço para inovação. Seja com lúpulos modernos ou clássicos, em perfil turvo ou límpido, essa cerveja mostra que tradição e criatividade podem coexistir no copo.

#274 – Brassando com Estilo: Specialty Spice Beer

Specialty Spice Beer

Como fazer uma Specialty Spice Beer: guia prático de técnicas e exemplos

O Brassagem Forte desta semana recebe Jocemar Gross, criador da Dude Brewing de Caxias do Sul, que compartilha sua experiência prática para falar de Specialty Spice Beer.

Jocemar atua dentro do complexo Beco do Dude, onde, além da cervejaria, funciona uma torrefação de café, o clube de assinatura, além do bar e restaurante da Dude. O braço Brewing, aliás, lança uma ou duas Specialty Spice Beers por mês, acumulando ampla experiência prática no estilo.

Não perca esse papo, que conta com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis!

O que é Specialty Spice Beer?

Segundo o BJCP, o estilo 33B Specialty Spice Beer é baseado na 30A (Spice, Herb, or Vegetable Beer) com adição de:

  • Açúcares fermentáveis (mel, açúcar mascavo, açúcar invertido, lactose)
  • Adjuntos alternativos
  • Cereais diversos
  • Processos especiais adicionais

É importante notar que os estilos 30B (Autumn Seasonal Beer) e 30C (Winter Seasonal Beer) já contemplam adições e não devem ser usados como base para a Specialty Spice Beer.

Diretrizes sensoriais para Specialty Spice Beer

Aroma

Segue a linha da 30A, mas ingredientes fermentáveis como mel ou melaço adicionam novos componentes. O aroma deve manter equilíbrio entre adjuntos e base.

Aparência

Definida conforme os ingredientes e processos empregados.

Sabor

O perfil de sabor é semelhante ao da 30A, com ajustes dependendo dos açúcares e especiarias:

  • Açúcares fermentáveis resultam em final mais seco.
  • Elementos não fermentáveis aumentam corpo e doçura.
Sensação de Boca

Varia amplamente: pode ser denso e licoroso ou leve, conforme a combinação.

Como escolher a base ideal

Perguntas-chave:

  • A especiaria será protagonista ou coadjuvante?
  • Quais notas sensoriais a base pode agregar?
Bases neutras (para protagonismo da especiaria)
  • American Blonde Ale
  • Witbier
  • Kölsch
Bases complexas (para diálogo com a especiaria)
  • Belgian Dubbel
  • Stout
  • Saison

Estratégias para adição de especiarias

Cada etapa tem sua peculiaridade

Mostura
  • Extração suave
  • Integração com notas de malte
  • Boa para especiarias robustas (ex.: canela)
Fervura
  • Extração intensa
  • Esterilização dos ingredientes
  • Ideal para gengibre e pimentas
Flame Out / Whirlpool
  • Melhor preservação de compostos aromáticos
  • Indicada para especiarias delicadas
Fermentação primária
  • Potencial de biotransformação sensorial
  • Alta necessidade de sanitização
Maturação (Dry Spice)
  • Ajustes finos de aroma e sabor
  • Maior controle sensorial
Ajustes pré-envase
  • Uso de extratos alcoólicos
  • Permite correções de última hora

Evitando oxidação e contaminação

Impactos da oxidação
  • Escurecimento da cerveja
  • Sabores indesejados, como papelão
  • Perda de frescor
Como minimizar
  • Extratos alcoólicos rápidos
  • Purga com CO₂
  • Manipulação rápida e fresca dos ingredientes

Procedência importa

Buscar fornecedores qualificados é essencial para garantir frescor e estabilidade! ✅

Exemplos e combinações práticas

Saison com pimenta-rosa, capim-limão e mel de laranjeira

  • Final seco e floral
  • Mel de laranjeira reforça secura

Belgian Dubbel com cardamomo, casca de laranja e candy sugar

  • Cardamomo harmonizando com ésteres
  • Candy Sugar escuro intensificando frutas secas

Receita prática: Imperial Stout “Red Velvet Chocolate Cake”

  • Estilo: Imperial Stout
  • Adjuntos: nibs de cacau, extrato de baunilha, suco de beterraba
  • Destaques:
    • Double mash para alta densidade
    • Carbonatação de 2.5 volumes para espuma vermelha
    • Maturar com nibs de cacau e ajustar com suco de beterraba

Livros para se aprofundar

Conclusão

Produzir uma Specialty Spice Beer de qualidade exige técnica, planejamento e sensibilidade. Definir o propósito da especiaria, testar aditivos sensorialmente e manter a base limpa e equilibrada são chaves para criar uma verdadeira experiência de aroma, sabor e história no copo!

E você, já se aventurou por esse estilo?

#270 – Brassando com Estilo: Old Ale

Capa - Old Ale

Old Ale: história, características e receita completa para produzir e envelhecer sua cerveja inglesa

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, neste epísódio, juntamente com Jamal Awadallak, exploramos os detalhes que tornam esse estilo único e como obter os melhores resultados ao produzi-lo.

O que é Old Ale? História e origem do estilo inglês

O termo Old Ale é utilizado há séculos na Inglaterra para descrever cervejas destinadas à guarda e envelhecimento. Diferente das Mild Ales, que são cervejas jovens e frescas, as Old Ales são feitas para passar por uma longa maturação, desenvolvendo características únicas ao longo do tempo.

⏳ Historicamente, muitas dessas cervejas apresentavam um “K” ou “X” no nome, indicando sua intensidade ou tempo de guarda, uma tradição bem detalhada no livro A História das Cervejas Britânicas, de Martyn Cornell, recentemente traduzido para o português e publicado pela Editora Krater.

Evolução histórica: Mild Ale, Stock Ale e Barley Wine

A trajetória da Old Ale acompanha a própria história da escola cervejeira inglesa. Termos como Stock Ale, Barley Wine e Burton Ale eram, antigamente, utilizados quase de forma intercambiável. Por isso, autores como o historiador Ronald Pattinson reforçam que, no passado, não havia uma distinção clara entre eles.

Hoje, o estilo está definido no BJCP (Beer Judge Certification Program) como 17B Old Ale, mas com uma ampla variação entre exemplares:

  • Cervejas de barril (cask ales): teor alcoólico mais baixo (4.5% a 5%), não envelhecidas, semelhantes às Milds.
  • Versões envelhecidas: teor alcoólico entre 6% e 8%, com características de maturação prolongada.

Essa diversidade histórica reflete as mudanças econômicas, tecnológicas e culturais da Grã-Bretanha, como crises de guerra e avanços na malteação, que influenciaram diretamente a composição das cervejas.

Perfil sensorial da Old Ale segundo o BJCP

Aromas

O aroma é dominado pelo malte adocicado e ésteres frutados, frequentemente com uma mistura complexa de:

  • Frutas secas
  • Caramelo
  • Melado
  • Toffee
  • Notas vínicas (xerês, porto)
  • Leves traços de oxidação

    ✳ Aroma de lúpulo geralmente não está presente.

Aparência

  • Cor variando do âmbar profundo ao marrom escuro avermelhado.
  • Muitas vezes escurecida ainda mais pela oxidação e idade.
  • Límpida, mas pode ser quase opaca.
  • Colarinho de baixo a moderado, cor creme a castanho claro.

Sabor

  • Maltado de médio a alto, com nozes, caramelo, melado.
  • Chocolate leve ou malte torrado (opcional).
  • Equilíbrio geralmente adocicado, mas pode variar.
  • Ésteres frutados (frutas secas, vínicos).
  • Oxidação positiva com notas de vinho do Porto.
  • Força alcoólica evidente.

Corpo e carbonatação

  • Corpo de médio a cheio, denso.
  • Carbonatação baixa a moderada.
  • Leve acidez e taninos opcionais.

Diferenças entre Old Ale e Barley Wine inglesa

A fronteira entre a Old Ale e a English Barley Wine é bastante tênue:

  • ABV acima de 7%: tende a ser classificada como Barley Wine.
  • Com ênfase maior nas qualidades provenientes do envelhecimento (oxidação positiva, notas vínicas): Old Ale.

Ingredientes essenciais para uma autêntica Old Ale

Malte base: por que usar Maris Otter?

O malte Maris Otter Pale Ale é preferido por seu perfil característico:

  • Notas de biscoito champanhe.
  • Maior complexidade e clarificação.
  • Utiliza-se de 85% a 90% do grist.

Maltes especiais e caramelo: construindo complexidade

  • Caramelo médio (60°L): toffee e bala de caramelo.
  • Caramelo escuro (120°L): frutas escuras e leve azedinho.
  • Malte Chocolate: ajuste de cor e notas amendoadas.
  • Caramelo inglês nº 3: preparado artesanalmente para características históricas.

Adjuntos e açúcares: como equilibrar corpo e dulçor

  • Açúcares simples (açúcar de cana ou invertido) ajudam a secar o corpo e evitar dulçor excessivo.
  • Milho e trigo eram usados historicamente, mas são dispensáveis nas versões modernas.

Processo de brassagem da Old Ale: Mostura e controle de FG

  • Mostura simples por infusão única a 66-67ºC.
  • Controlar temperatura para evitar FG muito alta (limite máximo: 1022).

Lúpulo inglês: amargor estratégico e envelhecimento

  • Uso de lúpulos ingleses como Target.
  • Ajustar IBUs:
    • 50 IBUs para envelhecimento prolongado.
    • 30-35 IBUs para consumo jovem.

Oxidação controlada: vilã ou aliada na cerveja envelhecida?

A oxidação controlada é bem-vinda, contribuindo para:

  • Notas de frutas secas, vinho do Porto, madeira.
  • Cuidado com oxidação excessiva (principalmente em barricas pequenas).

Leveduras ideais para Old Ale: perfil inglês e técnicas

Leveduras recomendadas:

  • Secas: Lallemand London, Fermentis S-04, Nottingham.
  • Líquidas: Resident Ale, EB Fermo Whale.

Dicas:

➡ Usar alta taxa de inoculação (3 pacotes secos para 20L ou propagação).
➡ Temperatura: 17-21ºC.
➡ Opcional: Brettanomyces para perfil histórico.
➡ Suplementação: Zinco e oxigenação.

Perfil de água para Old Ale: simplicidade e equilíbrio

Sugestão:

ComponenteValor (ppm)
Cálcio100
Sulfato100
Cloreto100

Evitar excesso de cloreto para não deixar a cerveja enjoativa.

Carbonatação e guarda: como envelhecer sua Old Ale corretamente

  • Carbonatação: 2.3 a 2.5 volumes de CO₂.
  • Evitar alta carbonatação para preservar sensorial.
  • Envelhecimento:
    • 6 meses mínimo.
    • Temperatura ideal: 18-20ºC.
    • Priming ajuda na proteção contra oxidação.
    • Garrafas menores (300-375ml) facilitam consumo gradual.

Receita completa de Old Ale moderna com técnicas históricas

Volume: 20 litros
OG: 1.078
FG: 1.020
ABV: 7,6%
IBU: 50 (para envelhecimento) ou 35 (fresco)
Cor: 40 EBC
Eficiência: 60%
Fervura: 90 minutos

Maltes:

  • 6 kg Maris Otter Pale Ale
  • 300g Caramelo 120°L
  • 300g Caramelo 60°L
  • 100g Malte Chocolate
  • 430g Caramelo Inglês nº 3 (preparado artesanalmente)

Lúpulo:

  • 45g Target (11% AA) com 90 minutos de fervura.

Perfil de água:

  • 6,3g Cloreto de Cálcio
  • 2,2g Sulfato de Magnésio
  • 6,4g Sulfato de Cálcio

Levedura:

  • AEB Fermoale Whale ou equivalente
  • Opcional: Brettanomyces bruxellensis (0,1 pacote)

Processo:

  1. Mostura simples a 67ºC por 60 minutos.
  2. Mash out a 78ºC.
  3. Inoculação a 15ºC, fermentação principal a 17ºC.
  4. Descanso de diacetil por 2 dias.
  5. Clarificação e maturação por 14 dias.
  6. Envelhecimento mínimo: 6 meses.

Conclusão: produza sua Old Ale com confiança

A Old Ale é um dos estilos mais ricos e fascinantes da escola inglesa, unindo tradição, complexidade e a possibilidade única de evolução com o tempo. Dominar sua produção exige atenção aos detalhes: escolha dos maltes, controle da fermentação, equilíbrio do amargor e paciência para o envelhecimento.

Com as técnicas e recomendações apresentadas, você está preparado para produzir uma Old Ale autêntica, seja para consumo jovem ou para desfrutar ao longo de anos.

Quer aprofundar ainda mais sua produção? Experimente adaptar a receita sugerida, teste diferentes tempos de guarda e descubra como a oxidação controlada pode transformar sua cerveja!

#266 – Brassando com Estilo: Red IPA

Red IPA: Complexidade e Técnicas de Produção

A Red IPA (India Pale Ale) é um estilo que se destaca pela complexidade e pelos desafios técnicos que apresenta. Diferenciar uma Red IPA de outras variações do estilo IPA, além de equilibrar seus elementos sensoriais, demanda conhecimento e precisão no processo de produção.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, e juntamente com o Jamal Awadallak, exploramos os detalhes que tornam esse estilo único e como obter os melhores resultados ao produzi-lo.

O que é uma Red IPA?

A Red IPA é um híbrido moderno que combina características da American IPA com a American Amber Ale. O estilo se caracteriza pela combinação de um perfil lupulado e amargo, típico das IPAs, com notas de caramelo, toffee e frutas escuras, mais comuns nas Amber Ales. Essa combinação cria uma cerveja que é ao mesmo tempo fácil de beber, mas rica em sabor e complexidade.

Histórico e Origem da Red IPA

A Red IPA é um híbrido moderno que mistura elementos da American IPA com a American Amber Ale. Uma das primeiras referências do estilo é a cerveja ‘Socket Red’ da cervejaria Midnight Sun, localizada no Alasca. Criada nos anos 2000, essa cerveja possuía 5,7% de teor alcoólico e utilizava uma combinação de lúpulos como Cincoi, Cascade, Centennial e Miranda, alcançando cerca de 70 IBUs. Essa criação marcou o início de um estilo complexo que desafiaria os cervejeiros em sua produção.

Definição pelo BJCP

De acordo com o BJCP (Beer Judge Certification Program), a Red IPA faz parte do estilo 21B Specialty IPA. A descrição oficial aponta que a cerveja deve ter uma amargura moderadamente alta, teor alcoólico médio-alto e um perfil de malte que remeta a caramelo, toffee ou frutas, mantendo um final seco e corpo leve.

Aparência

A Red IPA apresenta uma cor que varia de âmbar avermelhado claro a cobre avermelhado escuro, podendo ter leve turbidez. O colarinho costuma ser de médio tamanho, indo do quase branco ao creme, com boa persistência.

Aroma

O aroma da Red IPA é predominantemente lupulado, com notas de frutas tropicais, cítricas, resinosas, pinho, frutas vermelhas e melão. O malte contribui com aromas de caramelo, toffee, pão tostado e frutas escuras.

Sabor

No sabor, o equilíbrio entre lúpulo e malte é essencial. O amargor varia de médio a muito alto, mas sem aspereza. O final é seco a médio, com retrogosto amargo e maltado, sem que o malte ofusque o lúpulo.

Sensação na Boca

A sensação na boca é de corpo médio-leve a médio, com carbonatação média a alta. O aquecimento alcoólico é opcional, e a textura deve ser macia e sem aspereza.

Estatísticas do Estilo

  • Densidade Inicial (OG): 1.056 – 1.070
  • Densidade Final (FG): 1.008 – 1.016
  • IBUs: 40 – 70
  • Cor (SRM): 11 – 17
  • Teor Alcoólico: 5,5% – 7,5%

Exemplos Comerciais

Alguns exemplos comerciais citados pelo BJCP incluem:

  • Avery Hog Heaven
  • Cigar City Tocobaga Red IPA
  • Modern Times Blazing World
  • Troegs Nugget Nectar

A Complexidade Sensorial da Red IPA

A Red IPA apresenta um perfil sensorial único, onde o aroma de lúpulo pode variar de moderado a forte, com notas de frutas tropicais, cítricas, resinosas, de pinho, frutas vermelhas ou melão. O malte, por sua vez, traz um aroma adocicado de médio a baixo, combinando caramelo, toffee, pão tostado e caráter de frutas escuras. O equilíbrio entre esses elementos é essencial para evitar conflitos sensoriais e garantir uma experiência harmoniosa ao consumidor.

Desafios na Cor e Aspecto Visual

Atingir a coloração avermelhada desejada na Red IPA é um dos principais desafios para os cervejeiros. A cor varia de âmbar avermelhado claro a cobre avermelhado escuro, sendo a limpidez opcional. Uma Red IPA muito turva e marrom pode causar uma percepção negativa, já que o visual impacta diretamente a experiência sensorial. Uma faixa de cor muito específica é necessária para atingir o tom rubi, e muitos cervejeiros recorrem a técnicas não convencionais, como o uso de hibisco ou suco de beterraba, para alcançar essa coloração.

Escolha dos Lúpulos e o Equilíbrio Sensorial

A escolha dos lúpulos na produção de uma Red IPA pode determinar o sucesso do equilíbrio sensorial da cerveja. Embora seja possível utilizar lúpulos tropicais, muitas vezes o uso de variedades mais clássicas norte-americanas, como os ‘3Cs’ (Cascade, Centennial e Columbus), oferece um resultado mais harmonioso quando combinado com o caráter de maltes caramelizados. A decisão cuidadosa dos lúpulos pode evitar o excesso de aromas tropicais, que podem entrar em conflito com o perfil adocicado do malte.

O Desafio da Cor Vermelha na Cerveja

Alcançar a cor vermelha ideal em uma Red IPA vai além da simples escolha de maltes caramelizados. O estudo da Breeze, mencionado no podcast, destaca que a cor da cerveja não depende apenas da escala SRM/EBC, mas também da translucidez e da interação da luz com o líquido. Maltes de tosta seca, como Pilsen, Pale Ale, Viena e Munique, tendem a permitir mais passagem da luz vermelha, enquanto maltes mais escuros, como Carafa 3, bloqueiam o espectro vermelho e resultam em tonalidades mais amarronzadas. Esse conhecimento é crucial para quem deseja alcançar o tom rubi característico sem comprometer o sabor da cerveja.

Artigo da Briess sobre comparativo do uso de maltes para atingir a cor vermelha

A Construção do Grist Ideal

Para construir um grist adequado para a Red IPA, recomenda-se uma base de 70% a 80% de malte base, como o malte pilsen ou pale ale. Embora o Mary’s Otter seja uma excelente opção, seu custo elevado no Brasil pode inviabilizar seu uso em produções maiores ou cotidianas. O uso de maltes especiais deve ser criterioso, equilibrando maltes kilnitz, como melano, viena e munique, com maltes caramelo mais claros e escuros para atingir o tom avermelhado desejado sem exagerar no dulçor.

Seleção de Maltes Especiais

A escolha dos maltes especiais é fundamental para o sucesso da Red IPA. Entre os destaques estão:

  • Melano: até 20%, embora seja necessário cuidado para não exagerar.
  • Malte Viena: contribui com notas tostadas e um leve aumento na cor.
  • Carared: excelente para alcançar o tom vermelho e adicionar notas de caramelo, mel e biscoito.
  • Maltes Caramelo (Crystal 60 e 120): permitem criar blends interessantes que equilibram toffee, casca de pão e um dulçor moderado.
  • Carafa Special 3: usado em pequenas quantidades para ajustar a cor sem trazer sabores torrados excessivos.

O Papel do Açúcar Simples na Receita

Uma estratégia mencionada no podcast é o uso de açúcar simples para ajudar a secar a cerveja e evitar o dulçor excessivo. Além disso, a ideia de utilizar caramelo de açúcar simples, inspirado nas cervejas inglesas tradicionais, pode ser uma abordagem inovadora para alcançar o tom vermelho desejado e manter o perfil sensorial equilibrado.

Jamal sugeriu inclusive testar o uso de caramelos mais escuros para obter o tom vermelho, evitando o uso excessivo de maltes caramelo e mantendo a cerveja seca. Essa técnica, além de trazer a cor ideal, pode evitar o perfil de maçã indesejado associado a algumas leveduras inglesas em combinação com açúcares simples.

Mosturação e Perfil de Dulçor

Para evitar que a Red IPA se torne enjoativa, o ideal é manter a temperatura de mosturação na faixa inferior, entre 64ºC e 65ºC. Essa escolha ajuda a criar um corpo mais leve e um final mais seco, balanceando o caráter maltado e o amargor característico do estilo.

Mesmo utilizando açúcar na receita, manter essa faixa de temperatura é essencial para evitar um dulçor residual excessivo que possa conflitar com o perfil lupulado.

Seleção de Lúpulos para Red IPA

Os lúpulos são, sem dúvida, o principal ingrediente de uma Red IPA. Historicamente, as primeiras versões desse estilo utilizaram os chamados “4 Cavaleiros do Apocalipse Lupulístico”: Cascade, Chinook, Columbus e Centennial. Essa escolha se alinha perfeitamente ao caráter caramelizado da Red IPA, criando um equilíbrio sensorial ideal.

Além dos lúpulos clássicos, Henrique e Jamal discutiram a possibilidade de utilizar lúpulos mais modernos, como Citra, Amarillo, Simcoe e até mesmo Mosaic, para dar um toque frutado e mais contemporâneo à cerveja, desde que essa combinação seja feita com parcimônia.

Quantidade e Técnicas de Lupulagem

Para atingir o perfil ideal de amargor e aroma, o podcast sugere uma abordagem equilibrada:

  • Amargor Inicial: Utilização de lúpulos com alto teor de alfa-ácidos, como Magnum, Apollo e Pato, para maximizar o amargor sem adicionar matéria vegetal excessiva.
  • Whirlpool Hopping e Dry Hopping: A recomendação inicial é de 5 gramas por litro em cada etapa, considerando que o objetivo é preservar o equilíbrio e evitar excessos, uma prática comum nas IPAs modernas.

Fermentação: Limpeza e Boa Atenuação

A fermentação na Red IPA deve buscar uma boa atenuação e um perfil sensorial limpo. Para isso, as leveduras recomendadas incluem:

  • US-05 (Fermentis)
  • BRY-97 (Lallemand)
  • West Coast Ale (LevTech – TechBrew09)
  • AY4, conhecida por proporcionar um caráter neutro e boa atenuação.
  • S-04, especialmente se o objetivo for obter um leve frutado e facilitar a clarificação da cerveja.

Jamal destacou o uso da levedura S-04 em fermentações mais baixas (17ºC) para obter um frutado sutil e facilitar a clarificação, reforçando que a aparência limpa da Red IPA é essencial para destacar o visual avermelhado característico.

A interação aditiva entre ésteres frutados e o perfil de lúpulo foi explorada, sugerindo o uso de leveduras como London Ale e Conan, que podem potencializar a percepção de lúpulo na cerveja.

Ajustes na Água e Controle de pH

Henrique e Jamal também discutiram a importância do controle de pH durante a produção da Red IPA. O uso de maltes caramelos tende a acidificar o mosto, baixando o pH. John Palmer sugere uma composição de água com 75 ppm de cálcio, 20 ppm de magnésio, 50 ppm de bicarbonato, 200 ppm de sulfato, 50 ppm de cloreto e 25 ppm de sódio. Essa composição ajuda a manter o equilíbrio entre o caráter lupulado e o dulçor do malte, além de favorecer a clarificação.

A discussão reforçou que o excesso de malte caramelo pode levar a uma queda acentuada no pH, especialmente em águas pouco mineralizadas, comuns no Brasil. O equilíbrio correto ajuda a evitar uma cerveja excessivamente ácida e a manter a estabilidade do sabor.

Carbonatação

A carbonatação recomendada para a Red IPA fica entre 2,5 a 2,7 volumes, proporcionando a liberação dos aromas de lúpulo e uma sensação refrescante ao beber.

Receita Sugerida para 20 Litros de Red IPA

Parâmetros Gerais

  • Densidade Inicial: 1.060
  • Densidade Final: 1.012
  • Cor: 14 SRM
  • Amargor: 52 IBUs
  • Teor Alcoólico: 6,3%

Grist

  • Malte Pale: 3,4 kg
  • Malte Viena: 1 kg
  • Caramunich 3: 410 g
  • Carared: 300 g
  • Melanoidina: 300 g
  • Carafa Special 3: 50 g (para ajuste de cor)

Lupulagem

  • Amargor: 40 g de Magnum (12% AA)
  • Whirlpool: 50 g de Cascade (5,5% AA), 50 g de Centennial (10% AA), 50 g de Chinook (13% AA)
  • Dry Hopping: 50 g de Cascade, 50 g de Simcoe (13% AA)

Procedimento

  1. Mosturação: 65°C por 60 minutos
  2. Recirculação constante no setup de brew in a bag
  3. Fervura: 60 minutos com adição de Magnum no início
  4. Whirlpool: Adicionar lúpulos ao desligar o fogo
  5. Fermentação: Iniciar a 18°C e subir para 21°C no final
  6. Dry Hopping: Durante o estágio final da fermentação
  7. Carbonatação: 2,7 volumes de CO₂

Dicas de Apresentação

Para destacar a cor avermelhada, Jamal sugere utilizar copos de vidro mais finos, como taças do tipo flute. Isso ajuda a luz a atravessar a cerveja, ressaltando os tons vermelhos e evitando que a cor pareça marrom ou turva.

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Conclusão

Produzir uma Red IPA exige habilidade e atenção aos detalhes, especialmente no equilíbrio entre o dulçor do malte caramelo e o amargor e aroma dos lúpulos americanos. O uso criterioso de maltes especiais, a escolha cuidadosa das leveduras e o controle de pH são fundamentais para obter uma cerveja vermelha vibrante, equilibrada e fácil de beber.

O podcast Brassagem Forte trouxe insights valiosos para os cervejeiros caseiros e profissionais que desejam explorar esse estilo. Com as dicas e sugestões compartilhadas, é possível criar uma Red IPA autêntica, que se destaca pela aparência, sabor e drinkability. Agora é colocar a mão na massa, ou melhor, no mosto, e aproveitar o processo de produção dessa cerveja complexa e deliciosa!

#262 – Brassando com Estilo: Belgian Single

Belgian Single: História, Produção e os Desafios da Classificação no BJCP

A Belgian Single é um estilo de cerveja belga tradicionalmente produzido em monastérios, mas que ganhou definição moderna apenas recentemente. Popular entre cervejeiros caseiros e comerciais, essa cerveja combina leveza, alta atenuação e um amargor distinto, tornando-se uma escolha versátil para quem aprecia as características das trapistas sem um alto teor alcoólico.

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis, e juntamente com o Jamal Awadallak, vamos explorar a história, a produção e os desafios da classificação da Belgian Single no BJCP, além de dicas para replicá-la com autenticidade.


O que é a Belgian Single?

A Belgian Single é um estilo de cerveja de baixo teor alcoólico, geralmente entre 4,8% e 6% ABV, sendo uma versão mais leve das Belgian Tripels e Blondes. Historicamente, as cervejas de mosteiros e abadias belgas possuíam variantes mais fracas destinadas ao consumo dos monges. No entanto, a primeira referência moderna desse estilo surgiu apenas em 1999, com a Westvleteren Blonde.

Uma característica interessante da cultura cervejeira belga é que, ao contrário do que ocorre em outros países, os produtores não se preocupam tanto com a definição de estilos. Muitas cervejas belgas são nomeadas com base na sua densidade original (Plato), cor ou simplesmente recebem um nome próprio, sem uma categorização formal.


Perfil Sensorial da Belgian Single

A Belgian Single se destaca pelo equilíbrio entre a fermentação limpa e o uso de lúpulos nobres, mantendo alta drinkability. Confira as principais características:

Aparência: Amarelo-clara a dourado-médio, geralmente límpida, mas pode apresentar turbidez devido à refermentação na garrafa.
Aroma e Sabor: Frutado e condimentado na medida certa, com notas de pão, mel e biscoito. O lúpulo é perceptível, proporcionando amargor médio a alto.
Atenuação: Elevada, acima de 85%, resultando em um final seco e refrescante.
Carbonatação: Alta (2,5 a 3,0 volumes de CO₂), conferindo uma textura efervescente e leveza.

O BJCP (Beer Judge Certification Program) classifica a Belgian Single como uma interpretação belga de uma German Pils, enfatizando a alta atenuação e o caráter lupulado. No entanto, essa comparação pode ser exagerada, visto que a complexidade da levedura belga adiciona uma camada extra de sabor e aroma ao estilo.


Desafios na Classificação da Belgian Single

Apesar de seu perfil bem definido, a Belgian Single enfrenta desafios na sua categorização oficial. O BJCP descreve o estilo como fortemente condimentado e fenólico, mas essa definição pode não representar com precisão os exemplares mais autênticos encontrados na Bélgica.

Condimentado e Fenólicos: Brasil vs. Bélgica

Os exemplares produzidos na Bélgica são, na maioria das vezes, menos condimentados e fenólicos do que aqueles feitos no Brasil ou nos Estados Unidos. Isso acontece porque muitas receitas fora da Bélgica acabam exagerando nos fenóis e no dulçor residual, resultando em cervejas menos atenuadas e menos equilibradas.

Impacto do BJCP nos Concursos de Cerveja

Para quem deseja submeter uma Belgian Single em concursos de cerveja, é essencial adaptar a receita às diretrizes do BJCP. Algumas estratégias para obter pontuações mais altas incluem:

Aumentar o amargor dentro do limite superior do estilo.
Reforçar o caráter lupulado, sem perder o equilíbrio com a levedura.
Utilizar uma levedura belga clássica, evitando exageros nos fenóis.
Garantir alta atenuação, para evitar dulçor residual excessivo.


Como Produzir uma Belgian Single Autêntica?

Agora que entendemos o estilo, vamos às melhores práticas para produção da Belgian Single, seja em cervejarias comerciais ou em cervejeiros caseiros.

1️ Ingredientes Principais

Malte: A base da Belgian Single é Malte Pilsen belga, que tem um dulçor residual sutil em comparação com maltes Pilsen alemães ou brasileiros.
Lúpulos: Tradicionalmente, os belgas utilizam Saaz, Styrian Golding e Hallertau Mittelfrüh, que oferecem um amargor limpo e elegante.
Açúcar: Não é essencial, mas pode ser usado (até 5%) para aumentar a atenuação.
Levedura: As leveduras belgas são essenciais para o perfil do estilo. Algumas opções recomendadas incluem:


2️ Fermentação e Controle de Temperatura

O processo de fermentação belga segue um método chamado “Free Rise”, que consiste em inocular a levedura em temperatura mais baixa (18-20°C) e permitir que ela suba naturalmente até 24-29°C.

Comparação de fermentação entre mosteiros belgas:

  • Westvleteren: Inóculo a 20°C, sobe até 29°C
  • St. Bernardus: Inóculo a 20°C, sobe até 24°C
  • Westmalle: Inóculo a 18°C, sobe apenas até 20°C
    Achel: Inóculo a 17°C, sobe até 23°C

Essa técnica permite um controle refinado da produção de ésteres e fenóis, garantindo uma drinkability superior.


3️ Ajuste da Água

A água utilizada na produção da Belgian Single deve reforçar a maciez, sem exagerar na secura. Para isso, recomenda-se:

Cloreto (~100 ppm): Melhora a sensação de maciez.
Sulfato (moderado): Evitar excessos para não acentuar secura extrema.
Cálcio: Auxilia na clarificação e estabilidade da fermentação.


4️ Carbonatação e Envase

A Belgian Single exige uma carbonatação elevada (2,5 a 3,0 volumes de CO₂), mas isso pode gerar desafios no envase.

Métodos de Carbonatação:
1️⃣ Priming na garrafa (refermentação): Método belga tradicional, mas exige garrafas reforçadas.
2️⃣ Carbonatação forçada no Post-Mix: Alternativa moderna e segura, evitando riscos de explosão em garrafas frágeis.


Conclusão: O Equilíbrio Perfeito na Belgian Single

A Belgian Single é um estilo fascinante, que equilibra amargor, atenuação e complexidade sensorial. Embora sua classificação pelo BJCP tenha algumas imprecisões, entender a produção autêntica permite criar versões mais fiéis ao estilo original.

Dicas finais para acertar na Belgian Single:
✔ Mantenha a fermentação controlada com Free Rise.
✔ Use lúpulos nobres para amargor limpo e equilibrado.
Evite exageros nos fenóis e no dulçor residual.
✔ Ajuste a água para garantir maciez e equilíbrio.

Se você deseja aprofundar seus conhecimentos, o livro “Brew Like a Monk” continua sendo uma referência essencial para entender as técnicas belgas.

Agora é hora de brassar a sua própria Belgian Single!

#251 – Brassando com Estilo: Wee Heavy

As coisas escalam rápido no programa, de sem prestigio a desafio interessante

Com a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company e da Levteck, vamos acabar de uma vez com a ideia de cervejas escocesas defumadas e propor desafios. Vamos falar de Wee Heavy!

Viu que temos um Apoia.se? Se você em algum momento pensou em ajudar o programa, essa é a chance!



#245 – Brassando com Estilo: International Pale Lager

A linha é tênue, mas o estilo existe.

Com a parceria da Prússia Bier, da Cerveja da Casa, da Hops Company e da Levteck, vamos entender esse estilo que veio para preencher uma lacuna entre as american e czech lagers. Vamos falar de International Pale Lager!

Viu que temos um Apoia.se? Se você em algum momento pensou em ajudar o programa, essa é a chance!